A Escola enquanto espaço de Transformação e Justiça Social

A componente curricular de Cidadania e Desenvolvimento tem aparecido claramente como espaço e oportunidade de trabalho e não podemos negar que a sua equiparação às restantes disciplinas acaba por ter um efeito cultural muito importante.

A componente curricular de Cidadania e Desenvolvimento tem aparecido claramente como espaço e oportunidade de trabalho e não podemos negar que a sua equiparação às restantes disciplinas acaba por ter um efeito cultural muito importante.

O Ponto SJ lançou o debate sobre o tema da Educação para a Cidadania. Este é um dos artigos que se insere nesta reflexão alargada. Para aceder a este dossier, clique em Ed. Cidadania.

A Educação tem um papel essencial na construção de um mundo mais justo e humano, onde todas as pessoas, nas diferentes realidades geográficas, vivam dignamente, em harmonia e respeito pela Casa Comum, em liberdade e equidade. Como tal, a Escola é um dos espaços, por excelência, onde esta construção vai ganhando vida e sentido partilhado.

Trabalhar pela promoção do bem comum, articulando as realidades locais com as globais e lutando pela mudança de situações geradoras de desigualdades e injustiças sociais é a missão da Fundação Gonçalo da Silveira (FGS) e a Educação para o Desenvolvimento/Educação para a Cidadania Global (ED/ECG) constitui um dos eixos centrais do nosso trabalho. Nessa construção, o nosso “modo de proceder” privilegia o ser e agir num processo de relação “com” (e não “para”) quem nos rodeia, acompanha e inspira.

Embora seja fundamental a nossa ação ser corporizada num contexto específico e ligada a uma ou mais temáticas concretas, na verdade ela pode acontecer em qualquer lugar e a partir de qualquer questão. Apesar desta universalidade, torna-se obrigatório discernir eixos estratégicos e públicos onde focar a nossa intervenção. Na FGS, ligamos esses eixos estratégicos à ideia de “processos de mudança” nos quais queremos estar envolvidos e os “públicos” são, na realidade, as pessoas e instituições com quem queremos caminhar e construir em conjunto.

Um dos cinco processos de mudança que elegemos como prioritários da nossa ação é o da Escola enquanto espaço de Transformação e Justiça Social. Porquê? Por razões ligadas à nossa história, mas, acima de tudo, pela universalidade e potencial transformador que identificamos nesta escolha.

Um dos cinco processos de mudança que elegemos como prioritários da nossa ação é o da Escola enquanto espaço de Transformação e Justiça Social. Porquê? Por razões ligadas à nossa história, mas, acima de tudo, pela universalidade e potencial transformador que identificamos nesta escolha.

Durante muitas horas dos seus dias, alunos e alunas, professores e professoras experienciam na escola processos de aprendizagem que, demasiadas vezes, se vão mostrando insuficientes para dar resposta à complexidade de alguns dos desafios que se colocam à Humanidade e ao Planeta. Igualmente, a escola é um espaço privilegiado para se poder viver em cidadania e, a partir dessa experiência, aprender a participar. Não pensamos nos alunos e alunas apenas enquanto cidadãos e cidadãs futuras, mas sim enquanto cidadãos e cidadãs presentes, com voz, vontade, reflexão e capacidade de ação e transformação do nosso mundo.

Nesse sentido, a ED/ECG aparece-nos como sendo a face pedagógica do processo de construção de uma cidadania global crítica enquanto proposta de entendimento e resposta às desigualdades e situações de injustiça estruturais das nossas sociedades, fundada sobre princípios éticos e políticos de solidariedade, equidade e justiça social, e possibilitada pela contínua reflexão crítica capaz de pôr em causa ideias preconcebidas. A cidadania aprende-se, acima de tudo, através do seu exercício e da reflexão e discussão acerca das experiências de participação em que nos vamos envolvendo.

Em termos históricos, foi no trabalho em contexto escolar que começámos o nosso percurso na ED/ECG, em 2007, com o projeto “M=Igual? – Igualdade não é Indiferença é Oportunidade!”, tendo como principais portas de entrada deste trabalho a disciplina de Formação Cívica (pelas temáticas) e a área curricular não disciplinar Área de Projeto (pelas metodologias).

Com a extinção da Formação Cívica e da Área de Projeto, em 2012, apesar da abordagem transversal que se procurou então promover ao nível da educação para a cidadania, a verdade é que os espaços e os tempos para trabalharmos em contexto escolar diminuíram substancialmente. Trabalhámos então com foco nos educadores e educadoras (que entendemos no seu sentido lato), ao nível da formação, da produção e divulgação de recursos educativos e, acima de tudo, procurando criar ligações e espaços de diálogo, interação e motivação entre pessoas ligadas à educação em contexto escolar para quem o sentido da sua ação não estava desligado duma exigência ética, política e pedagógica e de uma ideia da escola e dos processos educativos enquanto espaços e oportunidade de transformação e justiça social.

Neste momento, somos promotores ou co-promotores de projetos onde trabalhamos a cidadania em contexto escolar com diferentes parceiros (onde, para além das escolas, se incluem outras entidades e organizações, por exemplo, a Associação Casa Velha, a Fundação Gulbenkian, a Universidade Católica e a Fundação Fé e Cooperação) e em diferentes regiões do país.

Foi nessa altura que fomos convidados pela Direção-Geral da Educação e pelo Camões, Instituto da Cooperação e da Língua, para, em conjunto com uma outra ONGD parceira (o CIDAC), integrarmos a equipa que iria elaborar o Referencial de Educação para o Desenvolvimento (Referencial ED), um dos referenciais criado como ferramenta de apoio e documento orientador (mas não prescritor) da intervenção pedagógica nesta área temática – uma de entre quinze (nota 1) – enquanto dimensão de educação para a cidadania nas escolas. O processo de elaboração foi longo (tendo incluído uma primeira pré-aprovação da tutela e um período de consulta pública), mas o compromisso e empenho por parte de todas as partes envolvidas foi sempre muito elevado, num processo de reflexão, proposta, diálogo, negociação, decisão conduzido passo a passo, sem descurar qualquer parte do documento.

Entre a co-autoria do Referencial ED e o novo enquadramento desta área consagrado na Estratégia Nacional de Educação para a Cidadania, publicada em 2017, registou-se um aumento significativo do interesse pelo nosso trabalho específico nesta área, nomeadamente ao nível da formação, dos recursos educativos e do desenvolvimento de projetos em contexto escolar. Neste momento, somos promotores ou co-promotores de projetos onde trabalhamos a cidadania em contexto escolar com diferentes parceiros (onde, para além das escolas, se incluem outras entidades e organizações, por exemplo, a Associação Casa Velha, a Fundação Gulbenkian, a Universidade Católica e a Fundação Fé e Cooperação) e em diferentes regiões do país (Lumiar/Lisboa, Ourém, Covilhã, Faro, Famalicão, Damaia, Porto Santo). Para além disso, estamos envolvidos em vários grupos onde o tema da Educação para a Cidadania é central (a Rede de Educação para a Cidadania Global, o Grupo de Trabalho EDCG da Plataforma Portuguesa das ONGD, a comunidade Sinergias ED).

A nossa abordagem educativa preferencial é a de trabalhar a cidadania ao nível da escola como um todo, nos seus vários processos, tempos e espaços, e não apenas centrados na componente letiva. Contudo, dentro desta visão integrada, a componente curricular de Cidadania e Desenvolvimento tem aparecido claramente como espaço e oportunidade de trabalho (nem que seja pela reflexão e aprendizagem a partir das suas falhas e limitações) e não podemos negar que a sua equiparação em termos de importância às restantes disciplinas acaba por ter um efeito cultural muito importante no que toca à relevância da educação para a cidadania em contexto escolar, valorizando-a e libertando-a do espaço marginal e minoritário a que tradicionalmente tem sido votada.

Nota 1: Ver https://www.dge.mec.pt/areas-tematicas

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.