Na noite de ontem, 1 de abril, o auditório do Colégio S. João de Brito recebeu o escritor e poeta italiano Daniele Mencarelli para uma conferência intimista e profunda sobre sofrimento, redenção e empatia. Organizado pelo CUPAV, pela Paulinas Editora e pelo Istituto Italiano di Cultura, o encontro trouxe até Lisboa Daniele Mencarelli, o autor de Tudo Pede Salvação, romance que narra a experiência de um jovem internado involuntariamente numa ala psiquiátrica, também inspirado na experiência pessoal do autor.
O livro, que inspirou uma série homónima na Netflix, abriu caminho para uma reflexão mais ampla sobre os espaços de dor na sociedade contemporânea e sobre o papel da literatura na compreensão do sofrimento humano. Vencedor do prémio Strega Giovani em 2020 faz parte de uma trilogia, tendo o primeiro livro A casa dos olhares, sido publicado pela Paulinas Editora em 2023.
O encontro contou também com a participação de Leonor Abranches Pinto, estudante de Medicina, e Paulo Ramos, tradutor da sua obra para português.
Paulo Ramos destacou a autenticidade e profundidade da obra de Mencarelli: “o Daniele não escreve para impressionar, mas para desenterrar. Nele a dor e a poesia caminham juntas. As narrações de Mencarelli são canto, lamento, oração, salmos para os feridos, hinos para os que se perderam.”
Durante a conversa, Mencarelli abordou a necessidade de encarar a dor de frente e de não a esquecer rapidamente: “Precisamos de um despertador da dor.” Recordou o impacto universal da pandemia: “Há poucos anos aconteceu, com o Covid-19. Fomos todos tocados da mesma forma por este evento. Vivemos, nascemos e morremos da mesma forma, mas em poucos anos foi tudo esquecido.”
O autor também partilhou a sua própria jornada interior e espiritual, referindo-se a si mesmo como “um aspirante a crente e um progressista trágico.” Para Mencarelli, a salvação vem sobretudo dos outros, vem da “graça da gentileza e a coragem radical de ver o outro.” Em ambos os romances do autor, a transformação dos protagonistas surge do diálogo com o sofrimento, um tema central da sua escrita.
No livro, a hospitalização, que começa por ser um castigo, acaba por se tornar um espaço de redenção. À pergunta: Como é que um lugar de dor se torna um lugar de liberdade, Mencarelli responde: “O grande risco é pensar que sou o único a sofrer assim. A grande revelação para mim foi perceber que não era o primeiro nem era o único. A salvação que o ser humano pode trazer é a primeira face de todas as outras formas de salvação. Não estamos sozinhos. Salvo-me no momento que levo ao peito a salvação de todos os outros.”
A sessão concluiu-se com um forte aplauso, deixando no ar a sensação de que, num mundo muitas vezes indiferente ao sofrimento, a palavra e a empatia podem ser, afinal, os verdadeiros caminhos para a salvação.

Fotografia de capa: Nuno Gonçalves