Há muitos anos que colaboro nos campos de férias ligados aos jesuítas, nos seus vários movimentos. Nos muitos campos que animei, para crianças e jovens, trabalhei com equipas de animadores talentosos, criativos e de uma extraordinária entrega ao serviço. Estou convencido de que a experiência de um campo de férias deixa uma marca profunda em todos os que nele participam, sejam crianças, animadores ou até capelães. Tenho-me perguntado muitas vezes quais as razões que fazem com que um campo de férias provoque um impacto tão profundo em toda a pessoa, nos seus valores, nas suas convicções, nas suas amizades, na sua esperança e, talvez acima de tudo, na sua fé!
Estamos no final do ano letivo, fase de abertura das inscrições nos campos de verão. Curiosamente, para que uma criança ou jovem se inscreva e aceite participar pela primeira vez num campo de férias, precisa de uma motivação grande. Parece haver inicialmente uma forte resistência em participar. A curiosidade que lhe vem dos colegas ou amigos que já fizeram essa experiência; de professores ou pais que o desafiam, será certamente uma das principais razões para dar esse passo. Mas, apesar disso, muitos resistem. E a razão principal para isso parece ser o medo, de tantas formas: medo de não gostar, de não ser aceite, de não conhecer ninguém, de perder as seguranças ou os confortos… e depois já ser tarde demais, porque se tem que aguentar 10 dias no mato! Implica, portanto um risco elevado. Porém, quando a criança finalmente dá o salto e decide inscrever-se e participar, geralmente, adora!
O impacto profundo que tem esta particular experiência nas crianças e jovens vem precisamente disso: de ser uma experiência! De amizade, de partilha, de alegria, de liberdade, de participação… uma experiência pessoal distinta de tudo o resto que já tinha feito. Diria mesmo um experiência radical!
Experimentar, na primeira pessoa, tem uma importância essencial no Paradigma Pedagógico Inaciano (PPI), o qual conta com cinco etapas: contexto, experiência, reflexão, ação e avaliação. Para S. Inácio de Loiola, a experiência significava “saborear as coisas internamente“, o que é algo de profundamente pessoal. Não basta apenas “experimentar” qualquer coisa. É necessário deixar-se afetar na vontade, na afetividade, na imaginação. Daí que vai muito para além de uma compreensão puramente intelectual: ela quer tocar a totalidade da pessoa (formação integral). As dimensões afetivas do ser humano têm de ficar tão implicadas como as cognitivas.
Em tudo o que nos acontece, ou que escolhemos que nos aconteça, para que seja significativo, deve ser integrado.
Nas inovadoras teorias pedagógicas atuais, a experiência tem igualmente um papel central no processo de aprendizagem. O sujeito é chamado a viver um acontecimento significativo, a deixar-se envolver e implicar, com tudo o que é e o que tem. Por isso se fala de uma aprendizagem baseada em projetos, onde os alunos trabalham, em equipa, procurando soluções para problemas reais e construindo, eles próprios, a sua aprendizagem. Integram os conhecimentos e o saber na vida e na realidade. E os campos de férias, mais do que um conjunto de atividades divertidas, são uma experiência profunda, em várias dimensões, que coloca a pessoa em contacto com a sua verdade, simplicidade, fragilidade, dependência, revelando-lhe o seu enorme potencial. Em muitos casos, converte-se numa luminosa descoberta de si próprio, dos outros e de Deus!
Hoje em dia, os jovens gostam muito de “fazer experiências”, experimentar coisas novas e diferentes… essas experiências geralmente têm um tempo curto, são feitas em grupo (amigos ou família) e colocam o sujeito em situações novas, desafiantes e divertidas. De tal modo que até já existem “experiências” à venda nos supermercados, como passeios de balão, uma ida ao spa, ou um dia no parque aquático. Há sempre o fator atrativo do novo, do diferente e do exótico.
Existem também “acontecimentos-surpresa”, inesperados, que podem ser alegres ou dolorosos, que a vida nos oferece e que não desejámos, como a morte de um amigo, o nascimento de um irmão ou um sucesso ou fracasso pessoal.
Mas há uma distinção em todas essas experiências: aquelas que são superficiais, que “passam”, sem deixar rasto, e aquelas que nos movem, nos marcam e nos transformam. As passageiras e as significativas. Em tudo o que nos acontece, ou que escolhemos que nos aconteça, para que seja significativo, deve ser integrado. Por um lado, devemos entregar-nos, participar e aproveitar. Por outro lado, após a experiência, devemos refletir e avaliar (passos seguintes do PPI) para o assumirmos, crescermos e o integrarmos na nossa história.
Quando os discípulos de Jesus o encontram pela primeira vez (Jo 1, 35-51) perguntaram-lhe: “Mestre, onde moras?” Jesus podia ter respondido dizendo a sua morada, mas em vez disso, respondeu-lhes: “vinde e vereis”. Em vez de lhes dar informação, convidou-os a fazerem uma experiência… e eles ficaram com Ele nesse dia e o resto das suas vidas.
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.