Nos últimos artigos, aqui no PONTO SJ, abordei os temas das desigualdades de partida que a escola não anula e da ambição de que sinto falta no nosso sistema educativo.
Os dois assuntos estão interligados como é fácil perceber: se a ambição for elevada – partilhada e dotada de meios – num país com apenas 1 milhão de alunos (e em perda anual) não só é exequível uma meta de sucesso escolar elevada, e em poucos anos, como o fosso de pontos de partida se pode mitigar no momento da chegada, no final da escolaridade obrigatória.
Como se concretiza esta ambição? De forma séria, sem ingenuidade nem simplismos, não é possível dizer que há uma resposta fácil, imediata ou segura.
O sistema educativo, como o nome sugere, resulta da conjugação de múltiplos fatores interdependentes e dinâmicos. Por isso, quando se altera um deles, todos os outros se ajustam com o tempo e o resultado pode não ser o esperado. Por exemplo, a avaliação externa, i.e., os exames de fim de ciclo, que tanta polémica causou entre nós levando à sua quase eliminação, parece afinal ter impactos positivos sobre os resultados dos alunos, constituindo uma importante fonte de informação e melhoria para escolas, professores e famílias.
Como se concretiza esta ambição? De forma séria, sem ingenuidade nem simplismos, não é possível dizer que há uma resposta fácil, imediata ou segura.
Sabemos que há vários fatores determinantes para o sucesso educativo e, portanto, para a concretização desta ambição. O Professor, diz-nos a investigação académica, é o mais discriminante, uma vez que o seu desempenho pedagógico, didático e empático em sala de aula, efetivamente condiciona o sucesso escolar do seu aluno. O currículo, a sua adequação, extensão e construção também é um fator científico relevante. As avaliações e o que delas se retira, as valências digitais, os laboratórios e espaços desportivos, as visitas de estudo, os clubes, as condições das instalações, a organização dos horários, e tanto mais que devemos considerar são peças que compõem o caminho para a tal ambição.
Há ainda uma outra dimensão que me parece fundamental e que, surpreendentemente, vejo pouco projetada na consciência e na construção deste desígnio comum: o papel dos pais. Mais ainda porque durante estes anos recentes de confinamento os pais estiveram “dentro” da sala de aula, ouvindo a matéria e as propostas feitas, as respostas (ou ausência delas) dos seus filhos, o tom dos seus professores, a experiência de aprender hoje.
E as escolas, perguntaram aos pais o que pensam depois desta experiência? Abriram as portas físicas depois das portas virtuais se terem escancarado?
E a que assistimos? A um crescimento da participação nas associações de pais para melhorar as escolas, não só para “o meu filho”, mas para todos, em especial os que mais precisam? Uma chamada coletiva, partindo do reconhecimento do que já é feito, para exigir melhor à escola, e colaborar para isso, trazendo propostas e soluções, caminhos de mudança, aceitando estar implicado no sucesso conjunto?
E as escolas, perguntaram aos pais o que pensam depois desta experiência? Abriram as portas físicas depois das portas virtuais se terem escancarado? Pediram propostas, contributos concretos? Levaram-nos ao poder local ou central, quando se justifica o apoio?
Pergunto-me se, coletivamente, temos uma real ambição quanto à Educação dos nossos (cada vez menos) miúdos. Ou se estamos envelhecidos, anestesiados, resignados como em tantas outras dimensões e se, na verdade, só queremos sobreviver a cada dia, até ao fim da crise atual para poder respirar antes da próxima. Se, no fundo, com tanta incerteza e tanta mudança difícil de acompanhar, deixamos de ter claro o valor da Educação e passamos simplesmente a deixar correr porque, afinal, “vai ficar tudo bem”…
PS – Sou consciente de que, ao longo deste artigo, fiz muitas generalizações. A quem não se revê, peço que pense duas vezes e, se ainda for o caso, peço também que me desculpe pelo erro de perceção.
Fotografia de Alexander Grey – Unsplash
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.