Uma questão nuclear

Num país que anda há 50 anos a discutir o novo aeroporto de Lisboa, poderá parecer demasiado ambicioso lançar a discussão sobre a energia nuclear. Mas será que podemos dar-nos ao luxo de adiar a discussão energética?

Não irá o autor deste humilde texto discorrer sobre a invasão, a todos os níveis inqualificável, da Ucrânia pela Rússia, até porque essa é uma matéria que tem abundante e compreensivelmente dominado todo o espaço mediático. Aquilo que há a destacar é o caráter absolutamente estóico, heróico mesmo, de uma impressionante resistência ucraniana contra todas as probabilidades iniciais. Uma espécie de “David contra Golias”, que David uma vez mais parece estar a ganhar. Pelo menos já ganhou no respeito e admiração que granjeou perante quase toda a comunidade internacional não condicionada ou tendenciosa.

O que nos leva a escrever hoje este texto é uma outra conclusão que parece irrefutável: “a época da energia barata terminou”. Já havia terminado há muito tempo, mas esta guerra ilegítima só veio reforçar essa conclusão.

Num mundo que tem cada vez mais necessidades de consumo energético, e sobretudo elétrico (o ritmo de crescimento das grandes cidades adensa a amplificação das necessidades de fornecimento e consumo energético), em que a energia hídrica devido às alterações climáticas sofrerá cada vez maior pressão no que tange à parcimónia da sua utilização, e em que a instabilidade das energias renováveis (com ciclos de produção que não são constantes) não é compensada pela ainda insuficiente mitigação de consumos, a verdade é que parece inevitável o aumento do consumo energético à escala global. E a propalada revolução industrial 4.0, muito tecnológica, vem colocar ainda mais a tónica no aumento do consumo de energia elétrica, a par com a mobilidade elétrica cada vez mais a fazer-se sentir.

Anualmente são produzidas e lançadas cerca de 51 mil milhões de toneladas de gases com efeitos de estufa para a atmosfera. A produção de energia elétrica é responsável pela emissão de mais de 25% daquele quantum. Dá para perceber facilmente que estamos a poluir muito para produzir energia elétrica e que também, neste campo, o paradigma tem de mudar forçosamente.

Se não aumentarmos em Portugal exponencialmente a produção de energia elétrica, estamos a condenar irremediavelmente a população e as empresas a aumentarem muito o seu custo orçamental e a reduzirem consequentemente as respetivas margens de liquidez, com os graves constrangimentos macroeconómicos que essa situação acarretará tendencialmente, até para capacitar uma estratégia de desenvolvimento com melhorias no investimento e na qualificação.

Se não aumentarmos em Portugal exponencialmente a produção de energia elétrica, estamos a condenar irremediavelmente a população e as empresas a aumentarem muito o seu custo orçamental e a reduzirem consequentemente as respetivas margens de liquidez, com os graves constrangimentos macroeconómicos que essa situação acarretará tendencialmente, até para capacitar uma estratégia de desenvolvimento com melhorias no investimento e na qualificação. A lei da oferta e da procura explica facilmente esse fenómeno: se a pressão da procura aumenta sem a oferta acompanhar essa pressão, o preço sobe, subindo irremediavelmente os custos correntes.

Portugal precisa ter uma estratégia de produção própria de energia elétrica que fomente efetivamente a capacidade de explorar melhor as energias renováveis nomeadamente a solar (Portugal tem ótimas condições para isso), e o Governo parece estar atento, mas será curto para as necessidades futuras. Seria necessário uma nova ambição e uma abordagem renovada.

O primeiro-ministro António Costa fez afirmações muito perentórias (em contexto de campanha eleitoral) negando inequivocamente a aposta na energia nuclear, mas essas afirmações foram proferidas no “pré 24 de fevereiro”. De lá para cá o mundo mudou, e não sou eu que o digo, foi o Chanceler alemão Olaf Scholz, que no parlamento alemão, no final de fevereiro, discursou sobre uma “nova era” após a invasão russa da Ucrânia.

Num país que anda há 50 anos a discutir um novo aeroporto na zona de Lisboa, poderá parecer demasiado ambicioso lançar a discussão sobre a energia nuclear. Mas será que podemos dar-nos ao luxo de adiar mais uma resolução que sirva os interesses estratégicos de Portugal e dos portugueses?

Por que razão seria inalcançável uma resolução se, aqui bem próximo, no seio da União Europeia, o Presidente francês Emmanuel Macron recentemente anunciou o “renascimento da energia nuclear” como garante dos compromissos climáticos do país até 2050? E se aqui bem próximos da fronteira portuguesa os “nuestros hermanos” mantêm em pleno funcionamento a central de Almaraz?

Quanto a nós a resposta deve ser encontrada na ciência. Não terá o país uma classe política corajosa e uma comunidade científica suficientemente capaz e credível para estudar a fundo esta questão nuclear? É claro que sim, que tem e deverá ter!

É preciso falar claro aos portugueses… ou temos capacidade de aumentar consideravelmente a produção de energia elétrica em Portugal, ou condenaremos o país a empobrecer.

A energia nuclear provou ser: (i) cada vez mais segura (tirando os grandes acidentes de Chernobyl e Fukushima, outros acidentes registados, poucos tiveram impactos negativos para comunidades locais), (ii) mais certa no abastecimento (não depende de fenómenos meteorológicos ou climatéricos), (iii) descarbonizada (não depende de combustíveis fósseis), e (iv) muito eficiente, tendo um potencial de produção que para a realidade nacional seria tendencialmente suficiente para suportar as necessidades de consumo.

Há riscos? Claro que haverá… os resíduos são o principal risco, bem como a localização da central (será difícil encontrar consensos). No entanto deveremos saber confiar na ciência para encontrar respostas para esta questão nuclear. Haja iniciativa! Necessidade de respostas sabemos que há e haverá, e muito!

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.