Uma questão de beleza

A sua obra oferece um espaço de exploração dessas tensões entre o secular e o espiritual, abordando temas complexos com uma sensibilidade que ressoa profundamente no leitor moderno.

Sally Rooney tem 33 anos e é considerada uma das escritoras da geração millenial. Tem quatro romances publicados: Conversas entre Amigos (2017), Pessoas Normais (2018), Mundo Belo, onde Estás (2021) e Intermezzo (2024). Tendo nascido e crescido na Irlanda a sua relação com a religião – ou com o Catolicismo –, mesmo à distância, reflecte um paradoxo típico da sua geração: o desejo por transcendência e significado num mundo que muitas vezes parece superficial e caótico. Rooney aborda a espiritualidade não como uma resposta definitiva, mas como um terreno fértil para reflexão, principalmente frente a um contexto irlandês secularizado que ainda carrega as cicatrizes de uma herança cristã intensa e, por vezes, traumatizante. Rooney nunca ignora a relevância e o poder da religião. Embora as suas personagens possam já não ser os herdeiros diretos do legado da fé, pelo menos continuam a ser os herdeiros das questões da fé – questões a que a teologia e a doutrina católicas existem para responder.

Nos seus primeiros romances, a espiritualidade emerge mais como uma curiosidade ou uma tentativa de conforto passageiro. Frances, em Conversas entre Amigos, encontra nas palavras do Novo Testamento uma zona de segurança e introspecção, um gesto pequeno que reflete uma busca silenciosa de apoio emocional em tempos de angústia – e tem quase um momento místico quando entra numa igreja para se refugiar com as dores da endometriose, recentemente diagnosticada.

Esse movimento inicial de Rooney evolui e adquire mais peso em Mundo Belo, onde Estás, onde a religião não é mais um elemento periférico, mas uma força central na narrativa. Aqui, a autora questiona abertamente a beleza do mundo e o valor do transcendental, explorando se a contemplação do belo pode, de facto, oferecer uma conexão mais profunda com a vida e uns com os outros. O romance alterna entre a vida de duas amigas – Alice e Eileen –, e longas troca de emails sobre a cultura, a beleza e o feminismo. As duas amigas entram no domínio da crença parcial através de um desejo mútuo de beleza. «I know we agree that civilization is presently in its decadent declining phase, and that lurid ugliness is the predominant visual feature of modern life. […] Our quality of life is in decline, and along with it, the quality of aesthetic experience available to us.» (Beautiful World, Where Are You, 207-208).

Aqui, a autora questiona abertamente a beleza do mundo e o valor do transcendental, explorando se a contemplação do belo pode, de facto, oferecer uma conexão mais profunda com a vida e uns com os outros.

É numa missa de domingo que Eileen tem um reencontro com a beleza. Eileen é «convertida» pela sinceridade do ritual. O que a leva a questionar-se não é o ritual em si, mas a forma honesta e bela como Simon – com quem se envolve – vive a sua fé. Por outro lado, Alice, em Roma, tem a mesma experiência: «He [Jesus] seems to me to embody a kind of moral beauty, and my admiration for that beauty even makes me want to say that I “love” him, though I’m well aware how ridiculous that sounds.» (Beautiful World, Where Are You, 185).

Esse foco na beleza como ponto de partida para o espiritual é interessante, pois Rooney não propõe uma religiosidade tradicional, mas sim um questionamento filosófico. Para ela, a beleza do mundo é um convite à contemplação e uma abertura para experiências que transcendem o individualismo, algo crucial para os personagens, que enfrentam as crises comuns de sua geração – a solidão, a insegurança sobre o futuro e o peso das conexões afetivas intensas.

Rooney consegue captar, portanto, a inquietação de uma geração que, mesmo com a secularização acelerada, ainda anseia por algo que vá além do imediato e do visível. A sua obra oferece um espaço de exploração dessas tensões entre o secular e o espiritual, abordando temas complexos com uma sensibilidade que ressoa profundamente no leitor moderno. E se a beleza é conhecida através deste anseio, então a pergunta «mundo belo, onde estás?» é a que reconhece que a beleza vive na própria busca de si mesma.

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.