«O reino de Deus é como um homem que lançou a semente à terra. Dorme e levanta-se, noite e dia, enquanto a semente germina e cresce, sem ele saber como. A terra produz por si, primeiro a planta, depois a espiga, por fim o trigo maduro na espiga. E quando o trigo o permite, logo se mete a foice, porque já chegou o tempo da colheita». Jesus dizia ainda: «A que havemos de comparar o reino de Deus? Em que parábola o havemos de apresentar? É como um grão de mostarda, que, ao ser semeado na terra, é a menor de todas as sementes que há sobre a terra; mas, depois de semeado, começa a crescer e torna-se a maior de todas as plantas da horta, estendendo de tal forma os seus ramos que as aves do céu podem abrigar-se à sua sombra» (Mc. 4, 26-33).
O exemplo do semeador ou do jardineiro é muito fecundo. Zygmunt Bauman ensinou-o, por contraponto ao caso do caçador. Falamos da essência da criação pela cultura. Muitas têm sido as iniciativas deste Ano Europeu do Património Cultural – 2018. E todos somos chamados a assumir a capacidade de garantirmos que quanto recebemos o património material, natural ou contruído, e imaterial, bem como a criação contemporânea, estes devem ser preservados, protegidos, beneficiados e transmitidos nas melhores condições às gerações futuras. Não esqueçamos a etimologia que liga patres e múnus – o serviço do que recebemos de nossos pais. A atenção e o cuidado têm de estar bem presentes, em especial quando tratamos do património que está ao cuidado de comunidades religiosas. São obrigações de clérigos e leigos. A defesa do património cultural é um direito e um dever. Somos dos países europeus mais ricos em património cultural – não só na Europa, mas em todo o mundo. Não deixar ao abandono esse património, significa protegê-lo – e essa proteção leva a cumprir algumas regras essenciais: (a) antes do mais, ter os bens com valor patrimonial em segurança; (b) não deixar tais bens sem vigilância, sobretudo quando houver presença de público; (c) só entregar a conservação e o restauro a especialistas com provas dadas; (d) recusar intervenções de amadores ou de meras boas intenções; (e) no caso de dúvida sobre o que fazer, consultar especialistas; (f) sempre que há um bem ou uma peça em perigo deve ser guardada até que haja condições para ser restaurada nas melhores condições; (g) realizar inventários rigorosos, que permitam conhecer o que existe e as suas características fundamentais; (h) realizar fotografias e ter uma identificação precisa do que existe. Lembremo-nos que uma medida tão simples como o fecho dos templos religiosos quando não há um vigilante presente, permitiu uma redução drástica dos furtos, assaltos ou degradação de bens patrimoniais. Do mesmo modo, o projeto SOS Azulejo, que obteve o Grande Prémio da Europa Nostra também permitiu, graças a medidas de prevenção, uma proteção efetiva de conjuntos com valor histórico e artístico. Mais importante do que mobilizar ou reclamar vultuosos meios financeiros, torna-se essencial cumprir procedimentos simples que evitam perdas irreparáveis. Usar tintas ou colas desadequadas, utilizar materiais não aconselháveis, recorrer ao cimento armado sobre pedra, não usar dos mesmos materiais originalmente utilizados, – tudo isso pode ter como consequência a destruição irremediável de bens patrimoniais que duraram vários séculos e que mercê de uma intervenção errada são destruídos. É mais importante ter um inventário estudado e atualizado do que tentar fazer pseudo-restauros por amadores com consequências irreparáveis. Paralelamente, é importante dar a conhecer o património existente, através de ações pedagógicas com escolas ou associações da sociedade civil. Segundo o Eurobarómetro, publicado a propósito do Ano Europeu, os portugueses salientam-se pela positiva no reconhecimento da importância e do valor do património, mas também pela negativa ao terem sido dos menos classificados quanto a visitas a museus ou a ações concretas em prol do património cultural.
Dada a importância do diálogo entre o património cultural e a criação contemporânea, merece referência uma excelente exposição que esteve no Convento de S. Domingos (Alto dos Moinhos) para celebrar 800 anos da presença dos dominicanos (Ordem dos Pregadores) em Portugal (1216-2016). Leia-se, aliás, «Os Dominicanos em Portugal (1216-2016)», com coordenação de António Camões Gouveia, José Nunes, O.P. e Paulo Oliveira Fontes (UCP, 2018). Urge lembrar o que os Padres Couturier e Régamey defenderam quanto à escolha dos artistas a convidar para encomendas para templos e monumentos religiosos. Dever-se-á “apostar no génio”. De facto, numa grande obra de arte está inscrita sempre uma abertura à transcendência. Daí que tal orientação tenha permitido uma renovação da arte religiosa, num sentido da qualidade e da dignificação. O Movimento de Renovação da Arte Religiosa (MRAR), em Portugal, surgido em 1952, com Nuno Teotónio Pereira, Nuno Portas, José Escada, António Freitas Leal, Diogo Lino Pimentel, João de Almeida e Manuel Cargaleiro, Flórido de Vasconcelos, Maria José Mendonça e Madalena Cabral, entre outros, constituiu um fator importante de “aggiornamento”, que o Concílio Vaticano II veio confirmar. De facto, a noção dinâmica de Património Cultural engloba este essencial e fecundo diálogo entre História e Modernidade. A imagem do grão de mostarda é significativa.
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.