Todos vivemos as nossas infâncias que não se repetem.
Ali perpassam momentos de claridade e momentos de aflição.
Quantas das nossas experiências adversas na nossa infância não dependem da nossa culpa mas da culpa de terceiros, aqueles que deveriam ter sido nossos guardiões mas que são, afinal de contas, nossos algozes.
O passado, de facto, queima.
Mariana Negrão em inspirado artigo publicado no Público em 06/04/2023 escreveu:
«É importante que a comunidade e as suas organizações – a escola, os cuidados de saúde, os locais de lazer, os contextos de proteção – sejam responsivas a estas trajetórias e capazes de prestar cuidados sensíveis ao trauma, no alinhamento com a promoção dos direitos das crianças e da resiliência da comunidade.
Isto porque a criança vem inteira para a escola, não deixa o trauma à porta – pelo que, se ele for invisível e não for endereçado, pode tornar-se de uma exigência desmesurada a simples tarefa de se concentrar e aprender.
Da mesma forma, o jovem que vai inteiro para o campeonato desportivo não deixa o trauma no balneário – pelo que, se ele passar despercebido e não for trabalhado, pode assumir-se hercúleo não esmurrar tudo e todos quando surge a frustração.
Assim, torna-se necessário que os vários contextos e os seus profissionais estejam imbuídos e capacitados de uma abordagem sensível ao trauma: que permita reconhecê-lo, bem como aos seus efeitos, e responder-lhe – para que se reduza o impacto destas experiências nas crianças, jovens e seus cuidadores, se evite a retraumatização e se potencie o saudável desenvolvimento de cada um».
Por isso, foi lançada a 31 de Maio de 2024 uma obra intitulada «O que se passa na infância não fica na infância», pela Editora d´Ideias, jovem Editora de Coimbra, coordenada por mim e pelo João Pedro Gaspar, investigador da Universidade de Coimbra e mentor da PAJE, Plataforma de Apoio a Jovens (Ex)-acolhidos, única entidade portuguesa com este desiderato.
Parte da premissa de que é fundamental contrariar a invisibilidade da adversidade e do trauma vivido na infância por cada um de nós.
Torna-se, pois, necessário que os vários contextos e os seus profissionais estejam imbuídos e capacitados de uma abordagem sensível ao trauma: que permita reconhecê-lo, bem como aos seus efeitos, e responder-lhe.
Para atingir esse objetivo, “O que se passa na infância não fica na infância” recorre a 50 personalidades – ligadas pessoalmente ou profissionalmente à proteção das crianças e ao seu saudável desenvolvimento -, reunindo um conjunto de abordagens pessoais e multidisciplinares, remetendo para as consequências irreversíveis e duradouras das experiências adversas na infância (podendo fazer o espelho com o que de melhor nos aí aconteceu, marcando-nos para sempre nesse véu de benignidade de que a meninez também se veste).
Este projeto, com lançamento no “Dia da Criança”, está integrado numa campanha que visa promover o combate aos maus tratos infantis, pressagiando um “manifesto” que defenda a necessidade de alertar a opinião pública para esta problemática.
Nele é também dada voz a ex-acolhidos – um dos quais Eder -, que transformou Portugal em Campeão Europeu de Futebol, corria o ano de 2016.
E outros nomes se sucedem.
Alcina da Costa Ribeiro, Alexandra Anciães, Alfredo Ferreira, Álvaro Laborinho Lúcio, Ana Mendes Godinho, Ana Paula Lourenço, Ana Perdigão, Ana Rita Alfaiate, André Tavares Rodrigues, António Castanho, António Pedro Peniche, Carlos Neto, Carolina Té, Catarina Ribeiro, David Rodrigues, Fátima Serrano, Fernando Franco, Galopim de Carvalho, Helena Oliveira, Hélio Bento Ferreira, Joana Alexandre, Joana Baptista, Joana Marques Vidal, João da Silva Miguel, João Pedro Gaspar, João Redondo, José Morgado, José Oliveira Barros, Junia Vilhena, Luís Fernandes, Maria Alexandra Silva, Maria Barbosa Ducharne, Marta Santos Pais, Norberto Martins, Odete Severino Soares, Paulo Guerra, Pedro Cunha, Pedro Gaspar (Chat GPT), Pedro Lima, Pedro Strecht, Regina Condessa, Rosa Clemente, Rosário Farmhouse, Rui Godinho, Rui Marques, Rute Agulhas, Sandra Passinhas, Sónia Almeida e Sónia Rodrigues
Com o apoio escrito da Presidência da República, em gentil mensagem enviada à Obra, com a inicial palavra prefaciada do mestre da Infância, Juiz Conselheiro Armando Leandro.
Com a voz sempre embargada pelas emoções de quem se considera trabalhador da infância e que tudo fez, faz e fará para que todas as crianças deste país tenham direito a uma excelência na Infância.
A receita das vendas reverterá para a PAJE – Plataforma de Apoio a Jovens (Ex)acolhidos, sediada em Coimbra.
Para que a onda cresça!
E para que cada um de nós faça o que lhe compete – estar atento, denunciar, integrar e tratar o trauma infantil antes que «o monstro tome conta de nós».
Porque falar sobre a INFÂNCIA destas Pessoas é um acto de AMOR, o mesmo que o Senhor Deus nos deu para ofertar sem saldos ou meias-palavras…
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.