Tudo está ligado: A descoberta de Alexander von Humboldt

O contributo de Humboldt para o nosso entendimento sobre o funcionamento dos ecossistemas é enorme. O seu fascínio pela natureza e o seu anseio por encontrar relações entre todo o tipo de dados recolhidos, deu-nos a noção atual de Ecologia.

“Tudo está ligado” é a frase que ressoa durante este Tempo da Criação, celebração ecuménica instituída pela Igreja Ortodoxa, à qual a Igreja Católica aderiu a partir de 2015. O que me leva a querer contar a história daquele que é considerado o pai da Ecologia – Alexander Von Humboldt – precisamente no dia em que se celebra o seu nascimento.

Curiosamente, este cientista alemão, famoso e influente entre os seus contemporâneos, é hoje pouco conhecido fora do meio científico. Por reconhecer esta lacuna, a historiadora Andrea Wulf dedicou o seu doutoramento à vida e obra deste “herói esquecido da ciência” e publicou o livro A Invenção da Natureza, hoje um bestseller mundial, disponível em 27 países.

A investigação de Wulf, que durou 10 anos, é brilhante na medida em que faz justiça à vida de Humboldt, pois apresenta-a nos seus vários campos e não apenas no científico: da botânica à geografia, da arte à poesia, da vida pessoal às suas relações políticas. O livro não é apenas uma biografia, mas também uma fascinante história de viagens, repleta de descrições, porque a autora seguiu literalmente os passos do cientista, até à América do Sul.

Humboldt nasceu a 14 de setembro de 1769, na Alemanha, no meio de uma família aristocrata. Irmão de Wilhelm Humboldt, filósofo e linguista, ambos foram educados por tutores profundamente marcados pelos ideais do iluminismo.  Apesar de originário de uma família aristocrática, Humboldt movia-se na corte com relutância e sentia-se melhor no meio de paisagens exóticas, bem distantes do seu país.

Por Paris sentia igualmente uma enorme admiração, numa altura em que a cidade efervescia de conhecimento e onde se entusiasmava em discussões prolongadas sobre novas descobertas científicas, literatura e arte. Goethe, Charles Darwin, Henry Thoreau, Thomas Jefferson, Ernst Haeckel, Jonh Muir são algumas das personalidades profundamente influenciados por Humboldt.

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Alexandre Humboldt é considerado "pai" da ecologia - https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Alexandre_humboldt.jpg -

O contributo de Humboldt para o entendimento atual sobre o funcionamento dos ecossistemas é enorme. Segundo Wulf, “Humboldt foi o primeiro a explicar a capacidade da floresta para enriquecer a atmosfera com a humidade e o seu efeito de arrefecimento, bem como a sua importância para a retenção da água e a protecção contra a erosão do solo. Avisou que os seres humanos estavam a interferir no clima e que isso podia ter um impacte imprevisível nas «futuras gerações»”.

Humboldt não era apenas um intelectual, pois as suas observações revelavam uma enorme sensibilidade. Por vezes, nas suas anotações referia-se à alma: “Aquilo que fala à alma (…) escapa às nossas medições” ou “a natureza, em toda a parte, fala ao homem com uma voz familiar à sua alma”. No entanto não era devoto, e em toda a sua obra nunca refere Deus. Filho do seu tempo, fazia parte do grupo de cientistas que procuravam compreender a Natureza, rejeitando a ideia de Criação.

O que é interessante em Humboldt é que, apesar de ser um entusiasta por medições, entendia que a compreensão da natureza não se alcançava apenas pela via inteletual mas também através dos sentimentos. Por entender isto, Humboldt procurava dar a conhecer as suas descobertas recorrendo ao desenho e a descrições que provocavam a imaginação.

Os diários de expedições de Humboldt estavam repletos de esquemas e anotações, sendo o mais famoso, o desenho da montanha do Chimborazo. Foi ao escalar esta montanha nos Andes, com cerca de 6000 m de altitude, que Humboldt teve a grande revelação da sua vida: tudo na natureza se encontrava ligado. Enquanto subia a montanha ia encontrando plantas semelhantes às das florestas europeias. A impressionante memória de Humboldt permitia-lhe estabelecer relações entre as observações que fazia em diversos locais.

Desta excursão resultou o desenho da “Naturgemülde”, uma representação do Chimborazo, com a localização de cada planta onde a encontrou, de acordo com a altitude. Ao lado do desenho da montanha, Humboldt acrescentou outros dados, como a temperatura, humidade, e pressão atmosférica, permitindo assim estabelecer relações entre a vegetação do Chimborazo e a de outras montanhas. Esta classificação da vegetação, por zonas climáticas e não por categorias taxonómicas, revolucionou o entendimento da natureza.

Por todo a parte onde passava, Humboldt relacionava os problemas ambientais, como a degradação do solo, com os problemas sociais, como a luta pela independência dos povos indígenas, que, como defendia, estava intimamente ligada à subsistência alimentar.

Se hoje afirmamos, sem hesitar, que “tudo está ligado” sem dúvida alguma que o devemos a Humboldt. O seu fascínio pela natureza e o seu anseio por encontrar relações entre todo o tipo de dados que recolhia, deu-nos a noção actual de Ecologia: a ideia de natureza enquanto organismo vivo, uma rede, em que tudo está ligado. “Nenhum cientista se referira assim à natureza antes”, sublinha Wulf.

A noção da natureza enquanto rede, fê-lo também compreender a vulnerabilidade desta, quando sujeita ao impacto humano. Humboldt foi dos primeiros a alertar para os efeitos deste impacto, que considerava serem maiores do que se julgava na altura.  Por esta razão, Humboldt pode servir de inspiração na luta pela justiça ambiental.

Nas viagens que fez pela América do Sul, Humboldt constatou com admiração a relação que os povos indígenas tinham com a natureza e considerava-os “excelentes geógrafos”. Por isso, tornou-se critico da exploração de recursos levada a cabo pelos ocidentais. Na Venezuela, criticou a expansão da cultura do índigo, usado para a produção de roupa colorida ocidental e que provocava a pobreza dos povos locais, que não tinham onde cultivar.  Em Cuba, observou o efeito da desflorestação para a plantação de açúcar.

Por todo a parte onde passava, Humboldt relacionava os problemas ambientais, como a degradação do solo, com os problemas sociais, como a luta pela independência dos povos indígenas, que, como defendia, estava intimamente ligada à subsistência alimentar.

Por tudo isto, quando hoje falamos dos impactos da globalização, como a desflorestação, as monoculturas e a intensificação da agricultura, não esqueçamos a voz que em 1832 já dizia que existem três formas de intervenção humana no meio ambiente: a desflorestação, a irrigação descuidada e, espantosamente, as “grandes massas de vapor e gás”.

Conhecer a vida de Humboldt ajuda-nos compreender o quanto podemos aprender com este académico, revolucionário para a época e profético nas suas observações, precisamente neste tempo em que celebramos a criação e somos chamados a comprometer-nos na luta pela justiça ambiental.

À admiração que Humboldt nutria pela complexidade da natureza, podemos nós acrescentar o reconhecimento cristão de que “Deus habita nas criaturas” e “trabalha em todas as coisas criadas”, por mim, como dizia Santo Inácio. Com este sentido contemplativo, aliado a um pensamento relacional, continuemos a trabalhar para que as “ligações invisíveis” que tecem a rede da vida não sejam mais quebradas, mas sim reconhecidas com admiração e cuidadas.

Fotografia de capa Wikimedia Commons

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.