Teorbas dos Tempos – Da palavra turbante que remói

Ao ler este livro, pude ter presente o ‘princípio e fundamento’ de S. Inácio de Loiola, pois era desafiada, em cada “corda”, isto é, em cada conjunto de fotografias, haiku e homilia, a “louvar, reverenciar e servir” através da minha vida.

“Senhor, Amanhã criança, estamos de esperanças, grávidos!” (pág. 60)

 

O livro que tenho em mãos, trazido à luz do dia pela Officium Lectionis, é da autoria do padre, investigador, fotógrafo e poeta Joaquim Félix de Carvalho.

Logo no título a obra revela-se original. A teorba é um instrumento musical e a alusão aos “tempos” associa-se ao facto de o livro reunir homilias redigidas em certos momentos cruciais do ano litúrgico. Não se pense, porém, que esta obra é um homiliário convencional, pois o leitor é surpreendido com um volume (com outros na calha) que cativa o leitor a partir da capa, onde figura uma sugestiva fotografia de duas esculturas de Rui Chafes, que fizeram parte de uma exposição que esteve patente ao público na Fundação de Serralves. Prestando atenção à capa, o leitor sente o movimento sugerido pela figura humana e é convidado a pôr-se a caminho, a “entrar” e a atravessar o labirinto da existência.

Ao folhear esta obra é impossível esperar para sorver tantos detalhes que nos deleitam e conduzem em duas direções: 1ª agradecer ao Senhor os dons da Criação tão bem espelhados neste livro; e 2ª apreciar a originalidade dos textos e dos temas que convoca em cada uma das homilias, para relacionar a Fé em Jesus, “lucernário do mundo”, com a vida quotidiana de cada crente.

Por outro lado, a articulação das homilias, dos poemas (haikus) e das fotografias agiganta-o e incentiva a leitura. Ninguém fica indiferente a um livro que conjuga poesia, imaginação e realidade, atravessado por filões telúricos de um outro cantochão que nos levam a contemplar o cordeiro, a cabra, a cobra e outros animais que se repastam no verde tapete do mundo.

Ao ler este livro, pude ter presente o ‘princípio e fundamento’ de S. Inácio de Loiola, pois era desafiada, em cada “corda”, isto é, em cada conjunto de fotografias, haiku e homilia, a “louvar, reverenciar e servir” através da minha vida.

Se, por um lado, queremos ler, ler sem parar, para conhecer, apreciar e fruir; por outro, queremos “ruminar”, saborear intensamente cada homilia e cada poema.

O grafismo é de elevada qualidade e a disposição das fotografias, tão bem coordenadas com o texto, atipicamente apresentadas à esquerda, os códigos QR e a ausência de paginação em determinadas páginas, captam a atenção do leitor e interpelam-no, provocam o questionamento e adensam o desejo de ler, só travado pela vontade de saborear, paulatinamente, o profundo conteúdo de cada homilia.

Em alemão, distinguem-se bem as duas atitudes antagónicas que este livro provoca no leitor – “essen # fressen”, isto é, comer versus devorar. Se, por um lado, queremos ler, ler sem parar, para conhecer, apreciar e fruir; por outro, queremos “ruminar”, saborear intensamente cada homilia e cada poema, pois convidam a um exercício de imaginação e de fruição estética que permite ao leitor rezar a mensagem bíblica de forma poética, uma espécie de didascália que assenta numa fortíssima mensagem do amor de Deus por cada um de nós.

Outro aspeto que chama a atenção no livro é a feliz alternância das cores, visto que as imagens a preto e branco nada têm de monocromático, bem pelo contrário, são profundamente interpeladoras e potenciam, igualmente, espaços-tempos de imaginação, de oração e de presença no Senhor.

Neste livro, numa malha tecida de intertextualidades, o autor convoca diversos artistas (pintores, escritores, escultores, atores e cineastas, entre outros) e permite confirmar a tese de que o crente habita sempre o mundo com um olhar renovado e esperançoso.

 

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.