Vivemos um tempo em que os nossos tempos estão subjugados ao paradoxo da escolha. As decisões sobre como despendemos o nosso tempo são tomadas com cada vez maior angústia sobre o que se perde. A solicitação pelo nosso tempo é tão variada e tão constante, que estamos permanentemente cientes que poderíamos estar a fazer outra coisa qualquer. As decisões fundamentais que tomamos estão sempre em perigo de serem atacadas porque a alternativa está sempre à espreita. Precisamos de cada vez mais ajuda para combater a tentação.
Para explicar a angústia do paradoxo da escolha tomemos um exemplo: decidi que hoje saio mais cedo do trabalho porque quero estar em casa com os meus filhos. Há 30 anos, a decisão, uma vez tomada, seria quase irrevogável. Para voltar atrás, teriam de me ligar para o telefone fixo de casa e, caso aí estivesse, teriam de me convencer a sobreviver a uma hora de trânsito para voltar ao trabalho. O tempo de qualidade com os filhos estaria quase garantido. Hoje, temos mais escolha e por isso mais angústia. Posso sair do trabalho, mas basta uma vibração no telemóvel para que me ligue de novo ao mesmo. A decisão fundamental de ter tempo de qualidade está ameaçada por um simples bzzzzz. Hoje, em cada momento do tempo de qualidade tenho de tomar a decisão de não reagir à solicitação. A possibilidade de escolher trabalhar mais um pouco leva à angústia de ter de decidir permanentemente não o fazer.
A decisão fundamental de ter tempo de qualidade está ameaçada por um simples bzzzzz. Hoje, em cada momento do tempo de qualidade tenho de tomar a decisão de não reagir à solicitação.
O exemplo dos tempos de trabalho é propositado. A discussão na União Europeia está acesa, e em França já se adotou legislação que tenta implementar o direito a desligar do trabalho. Por cá discutiu-se o tema no Parlamento, sem se ter chegado a um consenso. Mas será que se justifica uma intervenção do Estado sobre este problema?
A angústia do paradoxo da escolha parece decorrer mais de uma inconsistência interna da própria pessoa, do que de uma falha geral da sociedade. São as próprias pessoas que deverão conseguir domar as suas tentações. E serão as organizações que devem perceber que certas culturas de trabalho trazem angústia. Não são problemas fáceis de resolver, e certamente a sociedade – incluindo a Igreja – terá muito a contribuir para amenizar o problema.
No entanto, mudar a legislação não será solução. Não conseguiremos mudar a ansiedade por decreto. As pessoas e as empresas escolhem um modo de vida constantemente ligado porque percecionam vantagens nisso. De facto, as empresas podem oferecer serviços melhores ao disporem-se a estar contactáveis pelos seus clientes. Do mesmo modo, os trabalhadores têm algo a ganhar por se mostrarem permanentemente disponíveis. Não há legislação que consiga apagar estas vantagens. Duvido que em França (com a sua legislação sobre o direito a desconectar-se) os trabalhadores se sintam mais livres do que, por exemplo, na Dinamarca.
Empresas que recompensem chefias por implementar tempos offline farão um grande serviço aos seus trabalhadores. Fazer um pedido fora-de-horas tende a não ter custos para quem o faz. Se esse pedido afetar negativamente o bónus que se poderá receber, então está criado um custo que levará a pessoa a pensar duas vezes antes de criar uma tentação ao próximo.
Mas como podemos ajudar a sociedade a reduzir a angústia da escolha do tempo? A força de vontade de cada pessoa é essencial, mas também parece ser um instrumento curto.
Precisamos de uma cultura atenta. A cultura serve (entre várias outras coisas) para ajustar as expectativas que temos uns em relação aos outros. É essencial criar a expectativa certa para que a tentação não nos venha bater a porta. Por exemplo, em certas culturas de trabalho sabe-se que ninguém atende telefonemas depois de determinada hora. Se queremos resolver alguma coisa, é melhor fazê-lo antes das cinco da tarde. Como a expectativa está criada, ninguém liga depois das cinco, e a tentação não surge.
Precisamos de incentivos nas empresas. Os incentivos induzem comportamentos. Empresas que recompensem chefias por implementar tempos offline farão um grande serviço aos seus trabalhadores. Fazer um pedido fora-de-horas tende a não ter custos para quem o faz. Se esse pedido afetar negativamente o bónus que se poderá receber, então está criado um custo que levará a pessoa a pensar duas vezes antes de criar uma tentação ao próximo.
Precisamos de uma vida integrada. A separação entre a vida pessoal e profissional reduz a informação que temos sobre os nossos colegas. Podemos ser causadores de stress ao estarmos a exigir que outros estejam conectados. Esse stress pode ser especialmente doloroso quando exigimos disponibilidade a quem não a consegue dar. Para evitar estas situações, ajuda muito irmos revelando aos nossos próximos o que estamos a viver. E aqui, todos somos responsáveis.
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.