Há um mês que as imagens horrendas da guerra enchem o nosso dia a dia de preocupação e de muita solidariedade, mostrando-nos o que julgávamos impossível acontecer no século XXI: um conflito armado na europa. Estamos habituados a ver a guerra nos quatros cantos do mundo, mas não em nossa casa, talvez, por isso, nos sintamos especialmente unidos ao povo ucraniano e façamos de tudo, apesar dos quilómetros que nos separam, para os ajudar, para os acolher e, inclusive, os integrar nas nossas escolas.
Há mais de dois anos que vivemos condicionados pela pandemia, com máscaras, medo, distanciamentos e sucessivos confinamentos, ansiosos por voltar ao presencial e à normalidade. De modo particular nas escolas, criamos bolhas entre os alunos, limitamos o seu acesso a determinados espaços e materiais, proibimos a partilha de objetos, evitamos o contacto físico e estruturamos um ensino online e misto. Apesar de todos os esforços dos professores e da grande criatividade pedagógica das escolas, muitas aprendizagens ficaram para trás, muitas brincadeiras ficaram perdidas, muitas dimensões da pessoa ficaram por desenvolver. Sabemos, por isso, que aumentou a exposição a ecrãs e o acesso, não monitorizado, às redes sociais; que se intensificou um sentido protecionista dos pais e que foi afetado o desenvolvimento humano das crianças e jovens.
Há uma semana, o mundo parou para ver a entrega dos óscares, tendo ficado apenas um momento insólito na retina: a bofetada que Will Smith deu a Chris Rock, em direto, por ter feito uma piada sobre a sua mulher, e os insultos que gritou do seu lugar. Foi tão violento, que muitos pensaram que era uma encenação e que não podia ser verdade.
Este é o nosso contexto. Podemos ignorar, ocultar ou desvalorizar. Mas todos temos a sensação, mais ou menos diária, que o cansaço leva ao desespero, que andamos com menos paciência uns para com os outros e que muitas vezes a nossa reação é violenta. Nas escolas, sentimos os alunos mais ansiosos, com menos capacidade de concentração e com muitos comportamentos desregulados. E com o aproximar do final do 2.º período, sente-se o cansaço acumulado, tanto de alunos como de professores, depois de um mês de janeiro e fevereiro muito condicionados pela pandemia e de um mês de março marcado pela guerra.
Como educador, após uma semana de Gestos pela Paz, que vivemos na escola onde trabalho, no Colégio das Caldinhas (cf. https://pontosj.pt/colegio-das-caldinhas-gestos-de-paz-pela-ucrania/), com tantas iniciativas a acontecer nas aulas e nos corredores, tenho-me perguntado como podemos educar os nossos alunos para a paz, numa Europa em guerra e cada vez mais militarizada, numa sociedade que começa a demonstrar índices de violência preocupantes e uma grande insensibilidade ao outro. Como poderemos, nesta nova ordem mundial, europeia e nacional, educar para uma cidadania responsável que implique o respeito pela diferença e a construção efetiva da paz? Como poderemos educar para uma excelência humana que permita reconhecer o outro como irmão?
Estando nós, neste ano inaciano, a celebrar os 500 anos da batalha de Pamplona e de uma ferida que revolucionou a vida de Santo Inácio de Loyola, pensei que tal como o governo criou o selo Clean & Safe, para distinguir as empresas que cumprem as recomendações da Direção-Geral da Saúde, evitando a contaminação dos espaços com o coronavírus, que poderíamos criar um selo 4C & Peace para certificar práticas educativas promotoras da paz, permitindo a cada educador uma verdadeira reflexão sobre a experiência.
Estando nós, neste ano inaciano, a celebrar os 500 anos da batalha de Pamplona e de uma ferida que revolucionou a vida de Santo Inácio de Loyola, pensei que tal como o governo criou o selo Clean & Safe, para distinguir as empresas que cumprem as recomendações da Direção-Geral da Saúde, evitando a contaminação dos espaços com o coronavírus, que poderíamos criar um selo 4C & Peace para certificar práticas educativas promotoras da paz, permitindo a cada educador uma verdadeira reflexão sobre a experiência.
Inspirado pelo documento A Excelência Humana (2015), do Secretariado para a Educação da Companhia de Jesus, estruturo este selo inovador em 4C´s: consciente, competente, compassivo e comprometido.
a) Educar pessoas conscientes. Para combater a híper estimulação da visão, provocada pela elevada exposição a ecrãs e visualização excessiva de vídeos, a educação, como processo de aprendizagem, deve cuidar o hábito da escuta, ajudando cada um a dialogar com o seu interior e a lidar com os seus sentimentos. A paz não se constrói evitando as feridas ou subestimando os problemas, mas com resiliência, coragem e determinação.
Alguns exercícios que podem ajudar a educar alunos conscientes: cultivar hábitos de leitura, promover atividades que eduquem para a interioridade, promover hábitos de avaliação do dia e da semana, sugerir exercícios de gratidão espontânea, ajudar os alunos a lidar com a frustração, promover uma orientação vocacional libertadora.
Alguns exercícios que podem ajudar a educar alunos conscientes: cultivar hábitos de leitura, promover atividades que eduquem para a interioridade, promover hábitos de avaliação do dia e da semana, sugerir exercícios de gratidão espontânea, ajudar os alunos a lidar com a frustração, promover uma orientação vocacional libertadora.
b) Educar pessoas competentes. Para combater a tirania da perfeição e da eficácia, a educação, como espaço de descoberta de si e das suas capacidades, deve ajudar cada um a aprender com os seus erros e a dialogar com o outro. A paz constrói-se ajudando os alunos a serem a melhor versão de si próprios, evitando a frustração de padrões exteriores impostos pela sociedade e capacitando para a resolução autónoma de problemas.
Alguns exercícios que podem ajudar a educar alunos competentes: não centrar o processo de avaliação exclusivamente na classificação, dar aos alunos a oportunidade de rever as suas ações e aprender com os seus erros, dar-lhes a oportunidade de conversarem sobre os seus fracassos, promover atividades de autoconhecimento, ajudar os alunos a refletir sobre os seus métodos de estudo e a rever objetivos, promover o trabalho colaborativo dentro da sala de aula, ajudar os alunos a relacionar os conteúdos com a vida concreta.
c) Educar pessoas compassivas. Para combater a excessiva competitividade e a indiferença, a educação deve ajudar cada um a ultrapassar os seus preconceitos, valorizando a diferença e apreendendo a perdoar. A paz constrói-se dando voz às vítimas, denunciando injustiças e movendo a caridade ao serviço.
Alguns exercícios que podem ajudar a educar alunos compassivos: promover assembleias de turma onde cada um possa escutar o outro, ensinar os alunos a dar feedback aos colegas, dar a conhecer aos alunos realidades de injustiça, pôr os alunos em contacto com alunos de outros países e continentes, promover o voluntariado, promover mentorias entre alunos mais velhos e alunos mais novos, promover o diálogo entre gerações.
Para combater a lógica do descarte, a apatia da inatividade e o conformismo, a educação deve ajudar cada um a ser um cidadão global comprometido com a transformação do mundo. A paz constrói-se abrindo horizontes e construindo uma fraternidade universal, lutando contra as injustiças e contra todo o tipo de violência.
d) Educar pessoas comprometidas. Para combater a lógica do descarte, a apatia da inatividade e o conformismo, a educação deve ajudar cada um a ser um cidadão global comprometido com a transformação do mundo. A paz constrói-se abrindo horizontes e construindo uma fraternidade universal, lutando contra as injustiças e contra todo o tipo de violência.
Alguns exercícios que podem ajudar a educar alunos comprometidos: convidar pessoas com histórias de vida inspiradoras para dar testemunho na escola, comprometer os alunos na resolução dos problemas da escola, criar grupos de reflexão sobre os grandes problemas do mundo (guerra, aquecimento global, crise energética), criar clubes de debates, criar redes de educação para a cidadania envolvendo as famílias e a sociedade civil, promover o compromisso político.
Sabemos que a paz não se constrói sem luta interior. Inácio, convalescente em Loyola, num tempo de grande crise e conflitos, decidiu deixar as armas, para se fazer peregrino, porque percebeu que as grandes batalhas se travam dentro de nós. Decidiu abandonar a sua espada, para poder livremente acompanhar os outros nas suas batalhas interiores e os ajudar a encontrar a paz. Podemos estar a viver as consequências da pandemia e uma guerra que parece não ter fim, todavia, não podemos render-nos à violência e educar como se o conflito não existisse. Por isso, que este selo nos ajude a acompanhar as lutas interiores de cada um, evitando as guerras do futuro.
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.