SDPP – Sindicato dos Pais Precisa-se!

O exercício da maternidade/paternidade tornou-se um serviço voluntário da máxima exigência, sujeito às maiores críticas, com os mais elevados custos e sem o mínimo reconhecimento. Até quando vamos menosprezar os pais desta maneira?

Um dia, deitada na cama e completamente exausta depois de mais um louco fim de semana a desempenhar funções de motorista de filhos, explicadora, cozinheira, psicóloga, enfermeira – tentando ainda pôr o meu trabalho de freelancer em dia, noite dentro – ocorreu-me uma ideia: e se os pais tivessem também um sindicato? Para lutar por coisas simples: reconhecimento do seu esforço diário, em incontáveis horas extra, sem direito a fins-de-semana ou férias; devida valorização, para efeitos de CV, das competências adquiridas ao longo dos anos; apoio à formação, a que os pais raramente têm direito, para serem melhores pais, e em horários que não prejudiquem o exercício da paternidade; remuneração adequada por todas as funções que desempenham, ao longo do dia (e às vezes também durante a noite) e adequada também aos inúmeros gastos extra, diários, que se tem com cada filho; direito a algumas horas de descanso por semana, prescritas em prol da sua sanidade mental; e reforma compatível com todas as funções que vão continuar a exercer, ao longo da vida, de apoio à família.

As reivindicações parecem-me básicas, mas caso alguém as pusesse em causa, poderíamos sempre partir para uma greve de vários dias, com as consequências catastróficas que se imaginam…

Efetivamente, os pais têm lutado muito pouco pelos seus direitos. É fácil de perceber porquê: não têm tempo! E ainda têm de ter as costas bem largas para suportarem todas as críticas a que estão sujeitos. Se uma criança passa oito horas (ou mais) na escola, todos os dias, mas não tem boas notas, é porque os pais não a ajudam o suficiente. Se a criança é impertinente durante as oito horas (ou mais) em que lá está, é porque os pais não lhe dão educação. Se é conversadora, é pedido aos pais que a convençam a calar-se. Se, fora da escola, no pouco tempo que sobra aos pais, esperneia ou grita, é porque os pais estão a falhar na sua educação. Se, mais velhos, têm comportamentos de risco, é porque os pais não souberam olhar por eles. Se são obesos, os pais não cuidaram da sua alimentação. Se são ansiosos, talvez os pais exerçam demasiada pressão (quando os pais dariam tudo para que a escola não estivesse tão focada na pauta!). Se têm fraca cultura geral, são o espelho dos pais (que, por acaso, também passaram oito horas por dia, ou mais, na escola, durante uma boa parte da sua vida). Se não leem, é porque os pais nunca incutiram hábitos de leitura (quem dera a tantos deles terem mais tempo para ler!)

Efetivamente, os pais têm lutado muito pouco pelos seus direitos. É fácil de perceber porquê: não têm tempo!

E os pais, coitados (não todos, é certo), lá vão desesperando para fazer face a tantas críticas e exigências, no pouco tempo que têm com os filhos e sem quaisquer ferramentas (meios, formação, apoio logístico) ao seu dispor.

Não, ser pai não é fácil. Chegar ao final do dia e ter de preparar comida e roupa, ajudar nos TPC e na preparação de trabalhos, levar os filhos às atividades, ouvir desabafos, sossegar birras, frustrações, zangas entre irmãos, contar histórias ou incentivar a leitura antes do deitar, abraçar e mimar, até finalmente se cair para o lado – que a alvorada no dia seguinte é bem cedo – não é para todos. Desgasta.

Nota importante: a maternidade é, ao mesmo tempo, e num enorme paradoxo, das melhores coisas que pode acontecer a uma mãe ou a um pai. É uma lição de entrega diária e amor incondicional, que exige dos pais o seu melhor no que toca à gestão, à criatividade, à cooperação, à gestão das emoções e do afetos. Mas se é certo que a recompensa é grande, isso não justifica que se possa cobrar tudo aos pais, ainda para mais quando não se lhes é dado qualquer apoio. Haverá sempre pais que se demitem por completo das suas funções e/ou são o pior exemplo para os filhos. Mas até nesses casos ajudaria se a sociedade, em geral, mais do que apontar o dedo, sentisse que a formação dos mais novos era responsabilidade de todos. “É preciso uma aldeia para educar uma criança”, diz a sabedoria popular. Mas a aldeia já não existe, e a responsabilidade passou a ser exclusivamente dos pais (os avós ainda vão tendo alguma desculpa, felizmente), que se veem tantas vezes aflitos para dar conta do recado, sem ninguém que se disponibilize para ajudar.

O burnout também atinge muitas mães e pais, que podem até optar por interromper, durante algum tempo, o exercício profissional, mas não se podem dar ao luxo de se demitirem ou pedirem um ano sabático no que toca à maternidade…

A verdade é que, se uma criança passar oito horas na escola, com professores devidamente formados para ensinar, e não tiver aprendido o necessário, é difícil que os pais, sem qualquer formação para ensinar, consigam o milagre das boas notas. Uma criança impertinente pode sê-lo também em casa, e os pais nunca tiveram cadeiras para lidar com isso. E, se não é impertinente em casa, é bem provável que o problema resida somente na escola… Se é uma criança conversadora, de pouco adiantará aos pais, em casa, pedirem-lhe que se cale na sala de aula. Até porque é desejável que os pais, no pouco tempo em que estão com os filhos, lhes peçam justamente que conversem e contem o mais possível. Se a criança é desatenta… o que podem exatamente fazer os pais em casa, para que ela esteja atenta na escola? Se a criança faz birras e esperneia em qualquer lugar, vão por mim… esses pais estão a precisar de ajuda! (e quem o diz é uma mãe a quem calharam na rifa uns bons filhos marotos, impacientes, ansiosos, desatentos, faladores, impertinentes, que conseguiram pôr em causa todas as suas teorias do que era ser bom pai e boa mãe…). Incutir nos filhos cultura geral? Claro que sim! Haja tempo e verba para bons programas culturais! Ler? O mais possível! Mas, de preferência, não depois de uns longos trabalhos de casa e de várias páginas de matéria para estudar para os testes…

Sem esquecer a velha crítica aos pais de que entopem os filhos com atividades.

Quando os pais, regra geral, o que mais desejam é que os filhos cresçam de forma saudável, fazendo desporto, aprendendo artes, desenvolvendo talentos a que a Escola, tantas vezes, não dá resposta. Se desse, não seria necessário buscar fora, e já tarde e a más horas, essas mesmas atividades. Para além de que uma boa parte delas serve justamente para ajudar as crianças e jovens a cumprirem aquilo que a escola lhes exige: e bem-vindos ao mundo das explicações, para quem consegue (às vezes com um enorme sacrifício) pagá-las… A propósito, sabiam que os centros de estudo, para onde vão muitas crianças e jovens nas manhãs ou tardes livres (comuns a partir do 5º ano no ensino público), ou depois das aulas (porque os pais não têm possibilidade de sair às 16h dos empregos), continuam a ser taxados a 23%? Ter filhos é um luxo, de facto. Não admira que poucos se atrevam a tê-los…

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NOTA 1: Texto escrito depois de um desafiante fim de semana a tentar ajudar quatro filhos a serem minimamente bem sucedidos nos variados testes que vão ter nos dias seguintes, bem como nos trabalhos e apresentações orais. Com treinos e torneios à mistura, leituras obrigatórias, panelas de comida, roupa que deixou de servir, 80 unhas por cortar e uma casa virada do avesso. Fora um texto (este!) por entregar e uns quantos trabalhos atrasados. Se vale a pena? Claro que sim! Vale sempre a pena. Mas também vale bem a pena pensar sobre a falta de reconhecimento, valorização, justiça a que estão sujeitos os pais portugueses.

NOTA 2: E se nos uníssemos, de facto?

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.