Saudade

Pensar que mais tarde voltaremos a encontrar as pessoas que perdemos por cá é um aconchego e ajuda a suavizar o sentimento de saudade tornando a morte menos assustadora.

O meu tio-avô morreu há umas semanas. Aconteceu tudo muito rápido, e quase sem aviso prévio. Foi um choque muito grande, e durante aqueles dias dei por mim a pensar como seria estar no lugar do meu avô. Estes momentos fazem estremecer as casas de quem é mais próximo, e no meio de algumas conversas, revivi o que tinha sentido há uns anos.

Tive a sorte de conhecer o meu bisavô, ou, como costumamos chamar, Bivô. Foi uma presença constante na minha vida até aos 8 anos. Sempre muito meigo e de sorriso fácil, tinha uma bengala e uma barriga grande, na qual a minha mãe costumava dormir quando era pequenina.

Às quintas-feiras, depois de a minha mãe nos ir buscar à escola, íamos buscar o Bivô para vir jantar connosco, em nossa casa. Os jantares eram sempre animados, conversávamos, ríamos e ouvíamos as suas histórias, tinha sempre muitas para contar. Aliás, gostava muito de as escrever. Lembro-me também que, muitas vezes, me ajudava nos trabalhos-de-casa de matemática. Tinha sido professor e explicava muito bem as resoluções dos exercícios. Depois do jantar insistia sempre que ia chamar um táxi para voltar para casa, mas o meu pai ia sempre levá-lo. O meu irmão mais novo (na altura!), o Francisco, gostava de ajudar o Bivô a levantar-se do sofá e a entrar no elevador, com a sua bengala. E na quinta-feira seguinte o programa repetia-se. A minha mãe tinha criado esta rotina depois da minha bisavó morrer.

Também no verão costumava vir passar uma semana de férias connosco. Olhava por mim e pelos meus irmãos mais novos na piscina e divertia-se a ver-nos brincar. Gostava dos petiscos antes do almoço ou do jantar e trazia sempre um livro que gostava de ler no cadeirão da sala. Ah! E levava o seu periquito, o Pilim, a quem nós dávamos bocadinhos de maçã. Se íamos passear estava sempre pronto para nos acompanhar e tirar partido das suas férias connosco.

Hoje em dia é das minhas maiores saudades. Em janeiro de 2012 foi a primeira vez que percebi o que era realmente sentir falta de alguém. Percebi que a palavra “saudade” ganha outra dimensão quando sabemos que é para sempre. E que sentimento estranho… Tinha vivido sempre com o Bivô e, assim de repente, tive de me habituar à ideia de não o voltar a ver e a guardar e recordar as boas memórias que trazia comigo. Nesse dia, antes de jantar, rezámos como habitualmente e o Francisco, que tinha 4 anos na altura, acrescentou a frase: “e que o Bivô esteja lá bem no Céu”, e desde então todos os dias o Bivô é recordado à nossa mesa, de uma maneira tão simples mas que o torna tão próximo outra vez.

A Carminho era ainda muito pequenina quando o Bivô morreu, por isso de pouco ou nada se lembra, e o João só nasceu depois. No entanto, como ainda hoje nos ouvem falar sobre as memórias que temos, quem foi e o que fazia connosco, acabam por também o conhecer. – De certa forma as pessoas não morrem porque continuamos a falar delas. – Acho que, em parte, o mesmo acontece com Jesus… Quando penso na minha relação com Ele, mesmo nunca O tendo visto, tenho a certeza que me ouve, compreende e acompanha. Nunca me sentei à mesma mesa com Ele, nunca passámos um dia à conversa, nem sei qual era a sua comida preferida, no entanto parece que sim. Na catequese, em casa, nas leituras da missa, ou nas simples conversas com amigos, conseguimos conhecê-Lo cada vez melhor e mantê-Lo vivo, tornando-O uma presença constante no nosso dia a dia.

Penso como será para as pessoas que vêem a morte como um fim absoluto e não um simples até já. Pensar que mais tarde voltaremos a encontrar as pessoas que perdemos por cá é um aconchego e ajuda a suavizar o sentimento de saudade tornando a morte menos assustadora.

Fotografia de Cristina Gottardi – Unsplash

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.