Saber que faço a Vossa vontade

Da mesma forma que se prepara o berço, o quarto, o enxoval para o nascimento de um bebé temos, todos os anos, a oportunidade de preparar o nosso coração para a chegada de Jesus. E qual seria a melhor forma de O receber?

O Advento é um tempo de espera e de preparação interior para o nascimento de Jesus. Da mesma forma que se prepara o berço, o quarto, o enxoval para o nascimento de um bebé temos, todos os anos, a oportunidade de preparar o nosso coração para a chegada de Jesus. E qual seria a melhor forma de O receber?

Curiosamente (ou não!) o Evangelho do terceiro domingo do advento e a homilia proposta ajudaram-me também a responder a esta pergunta.  Se as multidões e os cobradores de impostos perguntavam a João Batista: “Mestre, que devemos fazer?”, João respondia: “Quem tiver duas túnicas, dê uma a quem não tem; e quem tiver comida, faça o mesmo!”. Logo a seguir, a homilia ajudava-me a responder à mesma pergunta, com outra pergunta: “Como devemos viver?”.

Esta última questão remeteu-me para o início do meu percurso no Corpo Nacional de Escutas (CNE). Há quatro anos, quando entrei para os escuteiros e fiz a minha promessa de pioneira[i], dois dos compromissos que assumi foram: “a renúncia ao mais cómodo” e “o desapego ao que mais apetece”. Este desafio, lançado aos pioneiros, acaba por ser uma preparação para aquilo que se propõe, mais tarde, a um caminheiro. Em outubro deste ano entrei para o Clã, a 4ª e última secção, e sou chamada a percorrer um caminho para me aproximar do ideal de Homem Novo, ou seja, transformar-me interiormente, mudar hábitos e a maneira de viver. Somos chamados a dar mais de nós aos outros, a servir e não a ser servido. Mas muitas vezes é difícil largar as coisas superficiais e dar a mão ao que é realmente importante.

Este estado de alerta e o colocar-me ao serviço obriga-me a desapegar do que mais me apetece, e na grande maioria das vezes, se não sempre, fico mais rica sempre que me entrego sem esperar nada em troca, tal como a oração de escuta me recorda.

Ao mesmo tempo pergunto-me, “Mas afinal qual é o problema da comodidade? Quem é que não gosta de estar tranquilo ou de se sentir aconchegado?” Poderão dizer-me que alguém que esteja doente procurará decerto esse bem-estar. Mas a comodidade de que vos falo é quase um estado de preguiça, algo que, de certa forma, exija pouco de mim ou que não seja difícil, uma decisão fácil de tomar, algo que já sei como fazer ou como resolver.

E que novidade poderá existir quando estamos cómodos? Provavelmente muito pouca, ou mesmo nenhuma. Quando estamos na nossa zona de conforto temos tendência a ficar focados em nós e desligados do que nos rodeia, perdendo assim ótimas oportunidades de nos colocarmos ao serviço… Ora, isso é o oposto da divisa do escutismo: estar alerta, num estado de vigilância e atenção constante ao que se passa à nossa volta, prontos para prestar auxílio a quem precisar.

Da mesma forma que quando nos preparamos para receber alguém de quem gostamos muito, procuramos fazer tudo aquilo que agrada a essa pessoa – cozinhar algo especial, arranjar os centros de mesa, arrumar a casa e ter tudo pronto para a sua chegada – assim somos desafiados a fazer durante este tempo de advento ao preparar a vinda de Jesus. Quando recordamos a maneira como Jesus viveu, dando tudo de si aos outros, ouvindo e curando os que estavam à Sua volta, vemos exatamente o que precisamos de fazer para O agradar e, assim melhor preparar a Sua chegada.

Este estado de alerta e o colocar-me ao serviço obriga-me a desapegar do que mais me apetece, e na grande maioria das vezes, se não sempre, fico mais rica sempre que me entrego sem esperar nada em troca, tal como a oração de escuta me recorda:

Senhor Jesus
ensinai-me a ser generoso,
a servir-Vos como Vós o mereceis,
a dar-me sem medida,
a combater sem cuidar das feridas,
a trabalhar sem procurar descanso,
a gastar-me sem esperar outra recompensa,
senão saber que faço a Vossa vontade santa,

Ámen.

[i] O escutismo abrange idades dos 6 aos 22 anos e estes 16 anos de caminhada são divididos em 4 secções: os lobitos (dos 6 aos 10), os exploradores (dos 10 aos 14), os pioneiros (dos 14 aos 18) e os caminheiros (dos 18 aos 22). Ao longo deste caminho, os ideais que regem cada uma das secções vão mudando.

Fotografia de Mael BALLAND – Unsplash

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.