Muito se tem falado de biodiversidade nos últimos meses, a propósito das causas da pandemia COVID 19, que é uma doença zoonótica, ou seja, transmitida a partir de animais. O tempo que vivemos é propício à reflexão e dá-nos a oportunidade de tomarmos verdadeira consciência da importância que a biodiversidade representa para as nossas vidas.
Em 2015, o mundo recebeu uma chamada de atenção com a Encíclica Laudato Si’, na qual o Papa Francisco dedicou um subcapítulo à “Perda de Biodiversidade”. Neste, relembrava que “a perda de florestas e bosques implica simultaneamente a perda de espécies que poderiam constituir, no futuro, recursos extremamente importantes não só para a alimentação mas também para a cura de doenças e vários serviços” e acrescentava que “não basta pensar nas diferentes espécies apenas como eventuais «recursos» exploráveis, esquecendo que possuem um valor em si mesmas” (LS 32-33).
Atualmente mais de um milhão de espécies continua a enfrentar risco de extinção. O recente relatório “Panorama da Biodiversidade Global”, publicado a 15 de setembro deste ano, veio alertar para o facto de nenhuma das Metas Globais de Biodiversidade acordadas em 2010, ter sido alcançada.
O recente relatório “Panorama da Biodiversidade Global”, publicado a 15 de setembro deste ano, veio alertar para o facto de nenhuma das Metas Globais de Biodiversidade acordadas em 2010, ter sido alcançada.
Hoje, cientistas por todo o mundo defendem que será necessário proteger 30% da terra e dos oceanos até 2030. O relatório da Campaign for Nature mostra que a concretização desta meta será não só necessária para a prevenção de novas doenças, a conservação da biodiversidade e o combate às alterações climáticas, mas também constitui um bom investimento económico. Isto porque os lucros associados à preservação dos ecossistemas são cinco vezes superiores aos custos associados à sua manutenção. Além disso, a produção agrícola e florestal também ganharia com este investimento.
O problema da perda de biodiversidade congregou 150 líderes mundiais no “Biodiversity Summit – Urgent action on biodiversity for sustainable development goals”, realizado a 30 de setembro. Este foi um encontro de preparação para a COP 15 da Convenção sobre a Diversidade Biológica, que se irá realizar em Kunming, na China, em maio de 2021. Espera-se que a COP 15 lance um acordo ambicioso, relativamente a novas metas para a conservação da biodiversidade.
No discurso de abertura da cimeira, o presidente da sessão Volkan Bozkir apelou ao pragmatismo dos líderes reunidos, relembrando que os nossos sistemas de saúde dependem grandemente do estado da biodiversidade. As esperanças estão agora voltadas para a COP 15, a qual terá de “fazer o mesmo que a COP 21 fez pelas alterações climáticas: elevar o discurso a mainstream”
António Guterres, nas suas observações, destacou três pontos a ter em conta. Primeiro, as “nature based solutions” (soluções baseadas na natureza), que constituem oportunidades de negócio capazes de gerar empregos. Veja-se o exemplo da Africa onde o “Great Green Wall” criou 335.000 empregos. O “World Economic Forum” estimou que as oportunidades de negócio em torno das NBS podem gerar 191 milhões de empregos até 2030.
Em segundo lugar, o sistema económico e financeiro atual está voltado para a destruição da natureza e não para a sua preservação. Segundo a OECD, o financiamento anual global necessário para a proteção da biodiversidade ronda os 300 a 400 mil milhões de dólares, valores muito mais baixos do que os que têm sido atribuídos em subsídios prejudiciais para a agricultura e exploração mineira.
A este propósito, acrescentou que já se encontra em curso a constituição de um grupo de trabalho que irá ajudar as instituições financeiras a direcionar os seus investimentos para as “nature-based solutions” (Nature-related Financial Disclosures task force).
Em terceiro lugar, referiu que as medidas que se irão estabelecer com vista à conservação e recuperação da biodiversidade não poderão deixar ninguém de fora. Dado que as estimativas mostram que os serviços de ecossistemas representam 50 a 90 % dos rendimentos das famílias rurais pobres e das que vivem da floresta.
A Europa já conta com uma estratégia para a conservação da biodiversidade até 2030, cujos objetivos têm em conta a recuperação após a pandemia. Entre os objetivos contam-se: a proteção das florestas mais antigas da Europa; a plantação de três mil milhões de árvores; a recuperação de 30% das espécies ou habitats degradados; a elaboração de planos verdes para as cidades com 20 mil habitantes. Para a concretização destes e outros objetivos delineados, os 20 mil milhões de euros anuais previstos terão de ser aprovados pelo Parlamento e a Comissão europeia antes da COP 15.
Em Portugal, uma equipa de mais de 100 investigadores foi destacada para o estudo “Biodiversidade 2030: contributos para a abordagem portuguesa para o período pós-metas de Aichi”. Um dos grupos de estudos, coordenado por Miguel Bastos Araújo, da Universidade de Évora, procura criar um mecanismo semelhante ao do mercado do carbono, segundo a ideia do poluidor-pagador. Neste caso, quem degrada um ecossistema deverá pagar. Esse dinheiro irá depois financiar aqueles que contribuem para a criação de serviços de ecossistemas.
Se é verdade que a mudança depende em grande parte das iniciativas dos governos, das empresas e das instituições, como as que aqui se apresentaram, há algumas coisas que podemos ir fazendo.
Se é verdade que a mudança depende em grande parte das iniciativas dos governos, das empresas e das instituições, como as que aqui se apresentaram, há algumas coisas que podemos ir fazendo:
- estarmos mais informados, seguindo as notícias e os estudos desenvolvidos, para que saibamos contribuir para o debate;
- escutar e apoiar as associações que promovem iniciativas pela conservação da biodiversidade;
- as empresas podem estar atentas às iniciativas e oportunidades de negócio que estão a ser desenvolvidas no âmbito das “nature based solutions” e na análise de investimentos pró-biodiversidade;
- a nível individual, podemos continuar a ser ponderados nas escolhas que fazemos enquanto consumidores (como por exemplo, evitar os produtos com óleo de palma, cujo impacto na biodiversidade e nas comunidades da Indonésia é já conhecido).
Enquanto esperamos que chegue a desejada vacina para a covid19, esperamos também que da COP 15 venham os compromissos e investimentos necessários à recuperação da biodiversidade, que como dizia Enric Sala numa entrevista ao Jornal Público, será a melhor vacina e a mais duradoura.
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.