Que fazes aqui, deputado?

Sabe como vota ou votou o seu representante? Provavelmente, não. Em princípio, saberá o sentido de voto do partido que inclui o seu deputado, mas não mais do que isso. Acompanho-o na ignorância.

Estamos em época de votações marcantes. As propostas sobre as leis da Eutanásia e do Orçamento do Estado estão ou estiveram nas mãos dos deputados. Nesta altura crucial da nossa democracia, pergunto: sabe como vota ou votou o seu representante? Provavelmente, não. Em princípio, saberá o sentido de voto do partido que inclui o seu deputado, mas não mais do que isso.

Acompanho-o na ignorância. Não porque não me interesse, mas porque o deputado que recebeu o meu voto não está interessado em prestar-me contas.

O nosso sistema eleitoral não dá incentivos a que seja de outra forma. Desde que temos democracia, elegemos deputados através de listas distritais. Cada distrito tem direito a um certo número de deputados. Os partidos apresentam uma lista com esse número, ordenando as suas preferências. Dessa lista são eleitos os deputados segundo a proporção da votação. Por exemplo, num distrito com 10 deputados, cada partido apresenta dez nomes. Se a votação for 45% para o PS, 27% para o PSD, 9% para o BE e 9% para a CDU e 10% pulverizados por todos os outros partidos, então o número de deputados refletirá (aproximadamente) essa votação: 5-PS, 3-PSD, 1-BE, 1-CDU. Assim, os 5 primeiros nomes da lista do PS serão deputados, e os últimos 5 não. Os primeiros deputados da lista do PS nunca tiveram realmente em risco de não ser eleitos.

Os deputados são, antes de mais, selecionados para os lugares das listas que os poderão eleger. A eleição que se segue será apenas uma formalidade para muitos deles. O atual sistema favorece o poder de selecionar acima do poder de eleger.

Primeira consequência, a qualidade da vida partidária desce. Os candidatos tendem a estar mais interessados em evitar concorrentes ao seu lugar dentro da lista, do que em aumentar a qualidade da intervenção partidária para ganhar mais um voto. Um candidato a ingressar nas listas partidárias quer, acima de tudo, cair nas boas graças da liderança partidária e evitar concorrência para a lista. Os partidos tendem a restringir o clube, em vez de se abrir à sociedade para refletir as suas prioridades. Corremos o risco de acabar com partidos vazios, cheios de yes men.

Segunda consequência, a qualidade da vida parlamentar desce. Para além do efeito direto de ter partidos que nos apresentam escolhas limitadas, a qualidade parlamentar também baixa porque os deputados não têm nada a ganhar em representar os eleitores. Mais do que refletir as preocupações dos cidadãos do seu distrito, os deputados querem satisfazer os seus chefes para serem selecionados para um lugar elegível.

A falta de qualidade partidária e parlamentar tem vários sintomas. Temos a diminuição do tamanho dos partidos e o crescimento da abstenção. Mas também temos deputados que nada têm que ver com o distrito pelo qual são eleitos, nem se interessam em perceber a realidade do mesmo. E temos deputados a votar contra aquilo que acham estar correto (ver exemplo do IVA das touradas).

Estamos num ponto em que a falta de qualidade na vida política se está a tornar num problema maior do que a falta de proporcionalidade na representação parlamentar.

Mas podemos melhorar? Sim, podemos mudar o sistema eleitoral, introduzindo um sistema que dê espaço a círculos uninominais. Com círculos uninominais, cada partido apresenta apenas um candidato por “área”, e cada círculo elege apenas um deputado. Por exemplo, num distrito com 10 deputados, haveria 10 “eleições locais”; em cada uma destas, apenas um partido pode ganhar. Este é o sistema usado no Reino Unido e em França.

Um sistema com círculos uninominais ajudaria a ligar novamente eleitores e eleitos.

Primeiro, os partidos ganhariam em apresentar candidatos com capacidade de atrair votos junto de uma comunidade local concreta, já que ficar em segundo não dá direito a nada. Se a qualidade do candidato for baixa, então é mais provável que o partido perca (ao contrário do que acontece atualmente). Assim, é menos provável que os partidos escolham yes men.

Segundo, uma vez eleito um deputado, este terá um incentivo maior em informar os seus eleitores do trabalho que tem desenvolvido, já que necessitará dos votos dessa comunidade numa futura reeleição. Se o deputado não estabelecer uma ligação com os seus eleitores, então estes poderão usar o poder do voto contra o deputado.

Um sistema eleitoral de círculos uninominais também tem custos. Estes sistemas tendem a sacrificar a proporcionalidade, favorecendo os partidos maiores. Por exemplo, ter 10% em todos os círculos pode ser um mau resultado, já que é pouco provável que se ganhe algum; mais valeria atingir 51% nalgum círculo específico, o que é mais provável para os partidos maiores. No entanto, há soluções intermédias, onde círculos uninominais coexistem com sistemas de proporcionalidade (a Alemanha é o exemplo clássico).

Mesmo com custos, pode valer a pena uma mudança. Estamos num ponto em que a falta de qualidade na vida política se está a tornar num problema maior do que a falta de proporcionalidade na representação parlamentar.

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.