Quando o dinheiro prejudica a economia

Poderá parecer estranha a ideia de que o dinheiro pode, em certas circunstâncias, ser prejudicial à economia. Mas basta referir alguns casos para tornar essa ideia menos “contra-intuitiva”.

Um dos mais importantes livros publicados em Portugal nos últimos anos intitula-se “As Causas do Atraso Português” (D. Quixote), de Nuno Palma, cuja leitura recomendo. O autor, que é professor na Universidade de Manchester, analisa toda a História do nosso país, procurando identificar quando e como surgiu o atraso. E chega a conclusões que contrastam com muito do que se pensa e se diz tradicionalmente entre nós.

Por exemplo, mostra com convincentes argumentos que o atraso nacional só foi uma realidade a partir do fim do século XVII, tendo-se agravado sobretudo com a descoberta de ouro no Brasil, no século XVIII. E atribui ao Marquês de Pombal uma grande responsabilidade nesse desastroso agravamento, por ter expulsado os jesuítas e assim ter dado uma enorme machadada na educação em Portugal.

Esta interpretação destrói o mito de o Marquês de Pombal ter sido um político progressista e modernizador, imagem que foi muito cultivada nos séculos XIX e XX pelos republicanos portugueses. Note-se que Nuno Palma não pode ser criticado por defender os jesuítas ou a Igreja Católica, N. Palma declara-se ateu.

A “Maldição dos Recursos”

A interpretação de Nuno Palma assenta naquilo que designa pela “Maldição dos Recursos”. No século XVIII entrou no país uma enorme quantidade de ouro proveniente do Brasil, então uma colónia portuguesa. Como é que tanto dinheiro acabou por ser negativo para o progresso económico de Portugal? A maior parte do ouro era entregue ao rei e a cerca de duas mil pessoas. Estes rendimentos aumentados eram gastos sobretudo em importações. O que levou a nascente indústria portuguesa a entrar em crise.

E também se terá registado “um efeito político desastroso: os recursos adicionais disponíveis para a Coroa implicaram o desaparecimento de uma limitação importante ao poder executivo (…) Como deixou de ser necessário ao rei negociar para obter recursos, as cortes não foram convocadas durante todo o século XVIII” (pág. 123). O que atrasou o desenvolvimento da capacidade tributária do Estado e incentivou “uma má tomada de decisões políticas” (pág. 124).

Assim, depois de duas décadas de estímulo económico, a “economia portuguesa começou a estagnar em meados do século XVIII, para depois iniciar um declínio” (pág.132). Este é um brevíssimo resumo da tese de Nuno Palma sobre a “Maldição dos Recursos”. Ora a mesma ideia é também aplicada pelo autor ao presente, concretamente à entrada em Portugal de um grande volume de fundos europeus. Antes disso, porém, vejamos se é racional a ideia de que o dinheiro pode prejudicar a economia.

Uma ideia racional

Poderá parecer estranha a ideia de que o dinheiro pode, em certas circunstâncias, ser prejudicial à economia. Mas basta referir alguns casos para tornar essa ideia menos “contra-intuitiva”.

Pensemos, por exemplo no facto conhecido de a “sorte grande” frequentemente ter, a médio prazo, produzido resultados negativos para quem teve a “sorte” de ser por ela beneficiado. Muitas pessoas em causa não se adaptaram a viver com muito mais dinheiro; não raro, anos depois de terem ganho na lotaria viram-se sem o dinheiro ganho dessa maneira e sem capacidade para lutar por uma vida melhor.

Outro caso poderá ser, por hipótese, uma empresa mal gerida que caminha para a falência. Por circunstâncias imprevistas – por exemplo, a empresa receber uma avultada indemnização decorrente de uma ação em tribunal – os gestores da empresa, desse modo salva da bancarrota, perdem incentivos para a gerirem melhor. Resultado, a prazo a empresa não evitará a falência.

Também podemos imaginar casos pessoais. Um jovem muito rico poderá renunciar a esforços para se tornar mais culto, mais conhecedor da indústria da sua família, mais preparado para a luta por uma vida melhor para o país onde vive, porque tem grandes rendimentos sem mexer uma palha.

Com os países acontecem situações semelhantes, como todos concordarão, se a prosperidade alcançada se ficar a dever a circunstâncias alheias, ao esforço produtivo dos respetivos nacionais. Como aconteceu com o ouro do Brasil, essa “maldição dourada” poderá estar a acontecer com os fundos de Bruxelas.

Fundos europeus: positivos ou negativos?

Na opinião de Nuno Palma, o dinheiro que o nosso país recebe da União Europeia não tem contribuído para a aproximação do país aos níveis europeus de desenvolvimento. Pelo contrário.

Até inícios de 2023 Portugal recebeu da União Europeia 133 mil milhões de euros, “sendo que o contributo total português para o orçamento comunitário corresponde a um terço desse número” (pág. 257). Posso acrescentar que, quando Portugal aderiu à então CEE (Comunidade Económica Europeia), em 1985-1986, não se previam volumes tão altos de fundos de Bruxelas.

Aliás, a grande motivação de Mário Soares para solicitar a adesão de Portugal à CEE (depois UE, União Europeia) foi de ordem política. O que se confirmou: a democracia portuguesa tornou-se bem mais sólida depois da entrada do país na Europa comunitária. Mas do ponto de vista da aproximação da economia portuguesa às médias económicas europeias, as coisas não correram bem, apesar de todo aquele dinheiro.

O apego nacional ao dinheiro de Bruxelas

No início, as falhas existentes em Portugal (por exemplo, no saneamento básico) eram tão evidentes que os fundos de Bruxelas facilmente tiveram uma aplicação positiva. Mas há muitos anos que já não é assim.

Voltando à posição de Nuno Palma, ele considera que os fundos de Bruxelas têm atrasado, e não impulsionado, o crescimento económico nacional. “Os fundos distorcem hoje a economia do país através dos mesmos dois mecanismos fundamentais (assinalados quanto ao ouro do Brasil): a perda de competitividade do sector dos (bens) transacionáveis, por um lado; e os efeitos negativos relacionados com a falta de responsabilização política e prestação de contas (accountability) para as instituições políticas e as políticas públicas, por outro” (pág. 260).

Esta afirmação é depois desenvolvida e pormenorizada. Nuno Palma não tem dúvidas sobre este assunto e já tinha afirmado uma posição cética em ocasiões anteriores. “O tempo deu-me razão. E mais me dará no futuro” (pág. 264).

Ora o que vemos em Portugal é um enorme apego ao dinheiro de Bruxelas e uma crescente inquietação perante a perspetiva de, num futuro próximo, o país vir a receber menos fundos. Por causa de um previsível alargamento da UE, nomeadamente.

A maioria dos portugueses encara a participação do país na UE sobretudo como uma fonte de dinheiro. E a classe política angustia-se porque tudo indica que essa fonte irá ser no futuro menos generosa. Na perspetiva de Nuno Palma, a angústia deveria ser substituída pela satisfação. Mas receio que a classe política não tenha coragem para colocar os fundos de Bruxelas como tema de análise e debate, pesando os prós e os contras.

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.