Com o acesso vulgarizado à Inteligência Artificial (IA), através do Chat GPT, ou de outras quaisquer plataformas semelhantes, conseguimos “fazer” tudo o que os outros precisam e gostam que nós façamos. Há alegria por sabermos qual o segredo e simplificação da receita mais elaborada de comida (eu já experimentei e houve quem gostasse), recebemos elogios por pensamentos, reflexões, textos e até belas orações e homilias (já testei e houve quem não se apercebesse e até elogiasse). Há a capacidade de falarmos e escrevermos para todos nas suas línguas e de acordo com o contexto do país, ou povo a que pertence a língua. Podemos criar negócios milionários e, agora, até vamos ter a IA a “salvar” pessoas ao serviço do atendimento de urgência do 112. A AI vem em força e para nos coadjuvar em tudo e, se preciso for, para trabalhar por nós!
Certamente, é mais fria e calculista na análise das situações e vai conseguir manter a serenidade, mesmo diante da maior catástrofe humana. Para além do mais, é isenta, prática, não faz acessão de pessoas de acordo com o seu estrato social, cor de pele, peso, local onde habita e habilitações literárias. Para a IA todos somos iguais. É obra de Deus? Sim, claro. Deus criou o Homem à sua imagem e semelhança! E o Homem criou a IA à sua imagem e semelhança e tê-la-á dotado da sempre eterna e desejada, mas incompleta perfeição humana…
Para a IA todos somos iguais. É obra de Deus? Sim, claro. Deus criou o Homem à sua imagem e semelhança! E o Homem criou a IA à sua imagem e semelhança e tê-la-á dotado da sempre eterna e desejada, mas incompleta perfeição humana…
E como sinal dessa imperfeição, podemos facilmente observar algo que ela não percebe neste texto que acabo de escrever: a ironia. E mais do que a ironia, a IA, ao contrário das pessoas que me costumam ler, ou que se relacionam comigo, não será capaz de compreender que, desde a primeira linha eu não só estava a ironizar, como estava a ser sarcástico, que sempre foi um dos defeitos, dizem. A IA é inteligente, mas não é emocional, nem relacional e é por isso que nunca vai substituir o ser humano.
Não é “obra do demónio”, mas também não nos leva a Deus, porque Este não nos criou para sermos inteligentes, mas para amarmos e sermos amados. Criou-nos para o Amor. E o Amor é sempre imperfeito, sujeito aos vários estados de espírito e às circunstâncias de cada ser humano. A IA pode dar a melhor receita de bolinhos de amêndoa, mas nunca vai conseguir fazê-los como a minha mãe fez e ainda faz, quando pode, porque o toque especial que eles têm resulta, precisamente, do afeto que ela coloca no processo, pois sabe que toda a família considera especial aquela sua habilidade culinária. Pode saber escrever orações e homilias muito bem escritas e com belas sínteses, mas não consegue chegar ao coração de quem está a ouvir, porque não vê o olhar de cada homem e mulher, que, escutando o sacerdote, procura a resposta de Deus para a sua vida; não alimenta a oração com os textos, porque eles não contêm a experiência de Deus, a densidade da relação com Ele, própria de quem tem a capacidade, ainda que sempre limitada, de transpor para a escrita as alegrias e esperanças, as tristezas e as angústias de quem O procura e Lhe agradece por tudo aquilo que sabe e não sabe na sua vida. A IA pode saber atender telefonemas no 112, mas não consegue entender o que significa, na verdade, o peso de uma mãe a gritar por ajuda para o seu filho doente, ou ferido e que isso terá uma dimensão diferente de alguém que pede ajuda para tirar o gato do telhado, ou perdeu a carteira.
E o Amor é sempre imperfeito, sujeito aos vários estados de espírito e às circunstâncias de cada ser humano.
O nosso problema é deslumbramo-nos com a inteligência – a nossa e aquilo que ela nos permite construirmos -, quando o que nos conduz a Deus e nos faz segui-Lo na relação com os outros é, precisamente, a emoção, o sentimento, o Amor. Dissertar sobre Deus pode ter-se tornado mais fácil. Segui-Lo e amá-Lo pode ser muito difícil, se não nos lembramos que a lógica de Deus é tantas vezes sinal de burrice para o Homens.
Vivamos, amemo-nos com a emoção de que quem sabe que Deus gosta de nós com as nossas incapacidades e imperfeições.
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.