Posso ficar ao teu lado?

A pergunta pode resumir os dois anos de Programa da ONG Teach For Portugal para as três educadoras que fizeram parte da primeira geração de mentores que trabalham nas escolas de meios mais vulneráveis durante 2 anos.

A pergunta pode resumir os dois anos de Programa da Organização Não Governamental (ONG) Teach For Portugal para a Inês, advogada, para a Benedita, Assistente Social, e para a Catarina, Engenheira Biomédica. As três fizeram parte da primeira geração de mentores que trabalham nas escolas de meios mais vulneráveis durante 2 anos, colaborando com professores e comunidade para máximo impacto nos alunos, na sua motivação e desempenho académico.

O André (nome fictício) é um aluno da Inês que demonstrou particular dificuldade em construir relação e  em  aproximar-se da Inês. Mostrava-se sempre desinteressado, não fazia as tarefas que lhe eram propostas e respondia regularmente com não mais de duas ou três palavras “Não quero” ou “agora não”. A Inês aproximou-se dele. Em todas as aulas ia ao seu lugar na sala. Baixava-se para ficar à altura do André, olhava-o nos olhos. Tentava dar-lhe a certeza de que não ia desistir. Queria saber o porquê desta postura. Entre vários “não sei” e “não gosto de inglês”, algo nesta aproximação individual tinha o poder de pôr o André a fazer a tarefa daquele momento. A Inês começou a perceber esta tendência e foi nisso que apostou em todas as aulas, sem exceção.

Contudo, raramente era bem recebida. Em cada aproximação ouvia um “outra vez aqui? Já disse que não vou fazer…”. No final, o André acabava por fazer. Não havia palavras simpáticas. Esta posição durou até ao final do ano. Nessa altura, o André ofereceu um desenho à Inês onde se lê entre várias frases “gosto quando você ia à beira dos alunos”.

No caso da Benedita, havia dois alunos sobre os quais ouvia opiniões frequentes de que não querem saber de nada, que vão voltar a reprovar e que só têm maldade dentro deles. Numa aula, estes dois alunos estavam a brincar e a perturbar todos os colegas e o ambiente na aula. A Benedita ficou triste por ver que estavam a desistir deles mesmos. Falou com eles, quis que se apercebessem do que estava a acontecer, que refletissem. Não conseguiu.

À noite, nesse mesmo dia, ia-lhes enviar uma mensagem. Ligou a internet no telemóvel e recebeu um “pedido de mensagem” no Facebook: “Benedita… Olha só queria pedir desculpa por ter tido aquela atitude de criança que tivemos lá na sala…. Eu sei que te estava a doer a cabeça e nós fizemos pior. Eu queria pedir desculpa.”

A Catarina teve durante estes dois anos uma aluna que parecia sempre “apagada”, triste e com o olhar vazio. A Maria (nome fictício) tem a mãe acamada já há uns anos. Todos os professores que conhecem a Maria desde a primária dizem que ela era uma aluna de quadro de mérito, super alegre e empenhada. Até a mãe adoecer. A Catarina não a conheceu como a descreveram e sempre se preocupou com a situação dela. Durante dois anos fez um grande esforço para que a Maria sentisse que a Catarina estava lá para ela, que podia confiar e desabafar se quisesse. Apesar dos esforços, a Maria nunca partilhou nem desabafou e, sempre que a Catarina lhe pedia para estar atenta durante as aulas ela respondia com um olhar zangado. A Catarina sentiu que falhou com ela e que não a conseguiu ajudar.

Por vezes não sabemos o impacto que estamos a ter, ou achamos que os esforços são inúteis. Contudo estes alunos perceberam que alguém acreditava neles.

No último dia de aulas, a Maria foi ter com ela e entregou-lhe um bilhete que dizia: “Eu só queria dizer obrigada, porque me ajudou e apoiou quando eu estava triste e também aturou por muito tempo a nossa turma, que é bem complicada. E o mais impressionante é que estava sempre feliz e disposta a nos ajudar com qualquer coisa, por isso, vou sempre ser muito grata por estar connosco”.

Com lágrimas nos olhos, deu-lhe um abraço.

Estas três histórias refletem a dureza e a dor de fazer um caminho cheio de silêncios, de poucas partilhas e de uma aparente menor evolução. Por vezes, não sabemos o impacto que estamos a ter, ou achamos que os esforços são inúteis. Contudo estes alunos perceberam que alguém acreditava neles. Que alguém não ia desistir deles. Que alguém estava sempre pronto a ouvir e a aceitá-los como são. Estes alunos fizeram-nos perceber que cada aluno se expressa da sua maneira única e particular e que devemos continuar a fazer o caminho certo.

Os mentores da Teach For Portugal fazem este caminho difícil e complexo pela crença na mesma visão de que “todas as crianças merecem uma educação que lhes dê oportunidades para atingir o seu máximo potencial”.

Agora que terminou o primeiro ciclo de 2 anos dos Mentores da Primeira Geração os Mentores partilharam uma realização que o programa lhes deu:

“O Programa Teach For Portugal serve para nos deixar tão frustrados e revoltados com a realidade das desigualdades educativas para depois nunca mais querermos parar de fazer a diferença.”

Ao refletirem sobre as aprendizagens que fizeram ao longo destes 2 primeiros anos no terreno e sobre a forma como querem continuar a impactar a educação, os mentores reconhecem que o Programa também serviu para os mudar por dentro, para nunca mais verem a Educação da mesma maneira. Viu-se o brilho nos olhos e todos vão continuar a impactar o sistema educativo.

Na fotografia: A primeira geração do programa Teach for all Portugal – https://teachforportugal.org/o-que-esta-escrito-nesta-imagem

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.