Por uma economia ao ritmo da terra

No ano em que celebramos 5 anos da publicação da Encíclica Laudato Si, acontece em Assis já em março o encontro a Economia de Francisco. O que significará afinal esta redescoberta da economia no processo de conversão ecológica da sociedade?

Neste início de ano tenho andado às voltas com a questão dos ritmos. Pela necessidade de reequilibrar os tempos certos e ajustados no dia-a-dia, mas também pela redescoberta da sabedoria do tempo da Terra, tão reparador e transformador. Quantos ritmos silenciosos vão levando a Vida nesta Terra em frente, nos vão sustentando silenciosamente. O ritmo das estações já não é o mesmo, o inverno tem vindo a dar lugar ao verão quase sem passar pela primavera, e o mesmo do verão para o inverno… quase como um espelho da nossa vida, em que os espaços de passagem, de transição, de ponderação, de espera, de diálogo, de nova criação, de promessa parecem cada vez mais diminutos e desconsiderados. Tempos considerados como desperdício, inúteis… estranho.

Este ano o inverno tem sido generoso, em chuva e frio pelas minhas bandas. A primavera já foi dando um ar da sua graça com as amendoeiras em flor, das primeiras árvores a florir, ainda no tempo onde tudo parece morto. Uma economia diferente esta da natureza, que faz brotar nova vida onde parece não haver esperança, que dá passagem, que se reserva para melhor gerir os recursos, que trabalha em complementaridade celebrando a diversidade, que investe muito nas raízes escondidas e toda a flora microbiana do solo, para sustentar tudo o que se torna visível, e dá abrigo a tantas criaturas… tantos pássaros que por sua vez espalham as sementes das árvores onde fizeram o ninho e fazem surgir nova vida. Um ritmo e uma cadência que nos faz parar e sentir uma reverência por tudo o que nos rodeia, nos faz maravilhar, agradecer e por isso cuidar, partilhar, entrar na economia do dom, do presente.

“Será um laboratório de ideias e práticas onde os jovens se encontrarão com um “ritmo lento” e terão a possibilidade de pensar e se perguntar, nas pegadas de São Francisco, o que significa construir uma nova economia à medida do ser humano”. (Luigino Bruni)

Assis prepara-se para receber de 26 a 28 de março mais de 2000 economistas e empreendedores com menos de 35 anos, provenientes de diversos países, para participar do encontro “A Economia de Francisco”, o evento desejado pelo Papa Francisco, no contexto transformador da Laudato Si. A cidade de São Francisco será organizada em 12 “aldeias” que acolherão os trabalhos dos participantes sobre grandes temas e questões apresentados pela economia de hoje e de amanhã: trabalho e cuidado; gestão e dom; finança e humanidade; agricultura e justiça; energia e pobreza; lucro e vocação; policies for happiness; CO2 da desigualdade; negócios e paz; economia é mulher; empresas em transição; vida e estilos de vida. Que grande primavera, que promessa!

Ao receber hoje de um jovem amigo (por sinal chamado Francisco, estudante de economia) umas flores de amendoeira, relembrei a passagem bíblica de Jeremias: «A palavra do Senhor foi-me dirigida nestes termos: Antes de te haver formado no ventre materno, Eu já te conhecia; antes que saísses do seio de tua mãe, Eu te consagrei e te constituí profeta das nações. E eu respondi: Ah! Senhor Deus, eu não sei falar, pois ainda sou um jovem…o Senhor estendeu a sua mão, tocou-me nos lábios e disse-me: Eis que ponho as minhas palavras na tua boca; a partir de hoje, dou-te poder sobre os povos e sobre os reinos, para arrancares e demolires, para arruinares e destruíres, para edificares e plantares.» Depois foi-me dirigida a palavra do Senhor nestes termos: Que vês, Jeremias? E eu respondi: Vejo um ramo de amendoeira. Viste bem – disse-me o Senhor – porque Eu vigiarei sobre a minha palavra para a fazer cumprir».

Com este encontro, o Papa Francisco transmite este “poder” aos jovens. Tudo começa no convite dirigido aos jovens. Segundo o Prof. Luigino Bruni, diretor científico do evento, «em Assis, os protagonistas serão os jovens, que exporão suas ideias sobre o mundo, porque já o estão a transformar, no campo da ecologia, da economia, do desenvolvimento, da pobreza. Será um laboratório de ideias e práticas onde os jovens se encontrarão com um “ritmo lento” e terão a possibilidade de pensar e se perguntar, nas pegadas de São Francisco, o que significa construir uma nova economia à medida do ser humano».

Anda por aqui o perfume que se espalha a partir deste pequeno Laboratório que é a Casa Velha, o perfume que revela a Economia como Lugar de Encontro, de interdependência, de fragilidade, de partilha de limites, de relação.

Em comunhão com as 12 aldeias de Assis está e estará a aldeia de Vale Travesso, onde, através da Comunidade local e da Casa Velha vamos experimentando este outro ritmo, vamos nos Atravessando (Atravessados é o nome da comunidade de jovens voluntários que ali se junta um fim-de-semana por mês, vindos de diferentes pontos do pais, para diferentes missões a partir da partilha de vida e oração) por outro estilo de vida fecundo, enraizado na Terra, para lá do lugar que pisamos. É Terra de Aliança e Relação, com a história, a cultura, uns com os outros, com Deus. É tempo e espaço onde aprendemos a viver juntos, a viver abertos e disponíveis, agradecidos, em verdade, sabendo esperar, com pouca tralha, comprometidos e atentos, em comunhão e com alegria (8 pilares da Casa Velha para cuidar da Casa Comum).

Ao Ritmo da Terra, é o nome que damos a um fim-de-semana de trabalho e oração em cada estação, aberto a todas as idades. De 31 de janeiro a 2 de fevereiro realizou-se o fim-de-semana de inverno, com cerca de 30 participantes com idades entre os 10 e os 60 anos. Impressionante como ao fim da primeira manhã a cuidar juntos da horta, nos sentíamos efetivamente em casa, como família. Juntaram-se pessoas da aldeia que ensinaram os “doutores” a cavar a terra e a semear batatas e favas. À noite reunimo-nos à mesma mesa, na antiga “Casa do Rancho” em reconstrução depois de vários anos à espera, futura sala de estar para os grupos. Contaram-se histórias, intercaladas com cantares e danças, passaram-se memórias que são identidade, terra fértil para aprender o gosto do outro. Este é o título de um livro da economista e teóloga Elena Lasida, professora no Instituto Católico de Paris (“O sentido do outro – A crise, uma oportunidade para reinventar laços”, Paulinas Editora), que nos diz que “É preciso pensar a economia como um lugar onde se constrói a vida em conjunto”.

Anda por aqui o perfume que se espalha a partir deste pequeno Laboratório que é a Casa Velha, o perfume que revela a Economia como Lugar de Encontro, de interdependência, de fragilidade, de partilha de limites, de relação. Que este perfume chegue e dê força aos Jovens de Assis, para que nos continuem a fazer ver as flores de amendoeira.

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.