Pedagogia sinodal

Valorizar a ideia original que Deus tem para cada pessoa, em benefício de todos. Esse caminho valorativo será um forte antídoto contra as assimetrias eclesiais que geram abusos e desanimam comunidades.

“Não sei quantos pais estão presentes no Sínodo, mas agradeço-vos por se preocuparem com o nosso futuro”, afirmou o P. Timothy Radcliffe no início do retiro que antecedeu a reunião sinodal do mês passado em Roma *.

Os pais preocupam-se com o futuro, dos filhos e da Igreja. A Igreja do futuro será a dos nossos filhos. Por isso, a presença de mais pais e mães de família nestas magnas reuniões seria uma grande mais valia!

Continuava o sacerdote dominicano: “Não há ministério sacerdotal mais maravilhoso do que educar crianças e tentar abrir as suas mentes e corações à promessa da vida. Os pais e os professores são ministros da esperança”. Gosto da imagem. Nunca me tinha visto como ministro da esperança: Sinto a responsabilidade e a alegria disso!

Na segunda meditação, o orientador do retiro sinodal esclarecia que “precisamos de um lugar onde possamos ser aceites e, ao mesmo tempo, desafiados. Em casa somos afirmados pelo que somos e convidados a ser mais. O lar é o lugar onde somos conhecidos e amados, onde estamos seguros, mas é também o lugar onde somos desafiados a embarcar na aventura da fé”. Lugares ao mesmo tempo seguros e desafiantes: São assim as nossas casas? É assim a nossa comunidade?

Prossegue o texto do retiro: “Em todos os lugares há uma terrível falta de casa espiritual. O individualismo impulsionado, a desintegração da família, as desigualdades cada vez mais profundas significam que somos atingidos por um tsunami de solidão… sem um lar, físico e espiritual, não se pode viver”. Somos uma Igreja mãe e casa? Pais atentos e desafiadores? A nossa casa é ninho e rampa de lançamento para a vida?

“Em todos os lugares há uma terrível falta de casa espiritual. O individualismo impulsionado, a desintegração da família, as desigualdades cada vez mais profundas significam que somos atingidos por um tsunami de solidão… sem um lar, físico e espiritual, não se pode viver”

Seguiu-se uma meditação sobre um tema que está na base da própria sinodalidade: a convivência com a diferença. “A diferença é frutífera, generativa. Cada um de nós é o resultado da maravilhosa diferença entre homens e mulheres”, afirmou o antigo mestre geral dos dominicanos. Mais: “Se fugirmos da diferença, seremos estéreis e sem filhos, nas nossas casas e na nossa Igreja. Mais uma vez, agradeçamos a todos os pais neste sínodo!”. Obrigado, de novo, pela parte que me toca! São, de facto, os pais os primeiros a ensinar os filhos a conviver com a diferença, antes de mais aquela entre pai e mãe, nas maravilhosas complementaridades entre os dois, e também nos inevitáveis atropelos. E na forma como ambos lidam com isso tudo! A relação homem-mulher é a maior de todas as diversidades. Todos ganhamos quando esta diversidade é bem vivida: na família, na Igreja, em todo o lado. Nascemos biologicamente dessa diversidade e crescemos toda a vida com ela, em todos os sentidos. Se ela falha, desatamos à procura de compensações e substitutos. E pode, ou não, correr bem.

Prosseguia o padre inglês: “As famílias podem ensinar muito sobre como lidar com as diferenças. Os pais aprendem a conhecer as crianças que fazem escolhas incompreensíveis e sabem que ainda têm um lar”. Sabemos como isto é muito assim na adolescência, onde os filhos fazem as maiores tropelias, e a casa está sempre ali para eles! Os irmãos, todos diferentes, vivem numa convivência tão próxima e cheia de tensões: talvez o melhor treino para a futura vida laboral!

Já com a comunidade e com os amigos podemos aprender que “a pessoa que concorda connosco que alguns problemas, pouco considerados por outros, podem ser de grande importância, pode ser nossa amiga. Não precisa necessariamente concordar connosco sobre a resposta”. Aliás, muitas vezes, “as maiores dádivas virão daqueles de quem discordamos, se tivermos a coragem de os ouvir”. Se tivermos a coragem… a abertura, o jogo de cintura, a capacidade de encaixe, a persistência. Vem à mente a emblemática exigência do Senhor: “Amai os vossos inimigos e orai pelos que vos perseguem”, porque com os ‘inimigos’ – aqueles que me incomodam e desafiam – posso crescer muito, na paciência, no respeito, integrando, desinstalado-me, amando.

Aliás, muitas vezes, “as maiores dádivas virão daqueles de quem discordamos, se tivermos a coragem de os ouvir”. Se tivermos a coragem… a abertura, o jogo de cintura, a capacidade de encaixe, a persistência. Vem à mente a emblemática exigência do Senhor: “Amai os vossos inimigos e orai pelos que vos perseguem”, porque com os ‘inimigos’ – aqueles que me incomodam e desafiam – posso crescer muito, na paciência, no respeito, integrando, desinstalado-me, amando.

À medida que o retiro se aproximava do final, as meditações continuavam com alto pendor pedagógico: Que a amizade é o melhor antídoto contra o clericalismo. Que as histórias e experiências de vida mais pessoais influenciam muito as opções e respostas que cada um vai dando na vida – e que isso tem de ser considerado em qualquer tipo de relação e diálogo. Que cada um de nós tem a sua forma própria de autoridade, a valorizar, neste tempo de crise das autoridades institucionais. Que uma autêntica maturidade traz consigo tanto a solidificação das próprias raízes como a capacidade para aceitar os outros nas suas diferenças. Que a valorização dos leigos é urgente e necessária para corrigir os grandes desequilíbrios na Igreja. Fixo-me nesta última intuição, para concluir.

Os estilos de vida dos leigos haveriam de ser muito mais valorizados. Os leigos não podem viver no paradigma clerical ou monacal, por falta de referentes próprios. Todos somos chamados à santidade, a uma vida plena e entregue, na vocação de cada um. Podem co-existir múltiplas influências, mas não vale copiar ninguém. Importa valorizar todos os batizados: que cada um possa ocupar bem o seu lugar! Valorizar o contributo específico que cada diferente vocação pode dar, sobretudo as mais esquecidas vocações laicais. Valorizar a ideia original que Deus tem para cada pessoa, em benefício de todos. Esse caminho valorativo será um forte antídoto contra as assimetrias eclesiais que geram abusos e desanimam comunidades.

Como é que isso se faz? Espero que o caminho sinodal traga muita luz sobre isto. E também propostas e práticas concretas! Posso falar por mim: para um leigo casado como eu o que é que realmente importa? Cultivar formas autónomas de rezar e persistir dia a dia na oração e nos sacramentos; modos de viver o trabalho como missão e oferta (quase) sacramental da vida; formação adaptada à minha realidade; maneiras de me relacionar que gerem comunhão e alegria à minha volta; dicas para viver em Deus crises e conflitos e oferecer o ‘ramalhete’ dos pequenos sofrimentos diários; alertas para discernir bem riscos e oportunidades e não escorregar nem para o espiritualismo nem para o aburguesamento; pistas para conjugar a vida com a minha mulher e crescermos juntos numa espiritualidade conjugal; propostas para educarmos os filhos em sabedoria e graça; espaços para as amizades e para a vida comunitária. E, sobretudo, a arte (a ginástica!) de ir unificando isto tudo! Interessa-me muito aprender a viver melhor uma fé prática, incarnada numa espiritualidade laical mais reconhecida, com direitos e deveres firmados de cidadania eclesial.

* Texto completo das meditações do retiro: https://www.vaticannews.va/pt/vaticano/news/2023-10/padre-timothy-peter-meditacao-retiro-sinodal-radcliffe.html

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.