Nesta estreia da realizadora Celine Song, somos levados a acompanhar a trajetória de dois amigos de infância – Nora e Hae-Sung –, cujo vínculo é permeado por um amor melancólico que perdura ao longo de três décadas. No entanto, não se trata apenas de um filme romântico ou de um enredo sobre um triângulo amoroso, mas sim uma reflexão profunda sobre a construção da identidade pessoal e as memórias que mantemos das relações que tendem a persistir no tempo, especialmente as que nos prendem ao nosso passado.
Ao longo da narrativa, somos apresentados à história de Nora, uma jovem que emigrou para o Canadá aos doze anos, e de Hae-Sung, o seu primeiro amor e possivelmente aquele com quem teria se casado se tivesse permanecido na Coreia do Sul. Após diversos encontros e uma relação à distância através do Skype, Nora decide encerrar a comunicação com Hae-Sung, confrontada pela impossibilidade de manter um relacionamento à distância. No entanto, apesar do afastamento físico, ambos permanecem ligados pelo conceito coreano de in-yun, que representa os encontros das vidas passadas, e que apesar deste corte relacional nunca deixa de os acompanhar no seu dia-a-dia.
A distância física e mental é sentida ao longo do filme, em quase todas as cenas Nora e Hae-Sung estão em lados opostos do ecrã, e quando não o estão – no ferry a caminho da estátua da liberdade –, Nora pede que se afaste. Este afastamento que foi crescendo e diminuindo ao longo destas três décadas é também perceptível nos silêncios, gestos, e olhares compartilhados entre Nora e Hae-Sung.
O filme mostra-nos que Nora não se encontra presa em um triângulo amoroso convencional, mas sim diante de duas versões de si mesma: a jovem apaixonada de doze anos, e a mulher de vinte e quatro e de trinta e seis anos que procura distanciar-se emocionalmente da sua vida passada. Na cena do bar – no início e final do filme –, Nora encontra-se entre duas possibilidades que são representadas pelos dois homens ao seu lado, mas aqui é Arthur, que representa o presente e a escolha de um futuro que lhe dá a liberdade de largar o passado.
Na cena final, esta distância chega ao seu limite. Enquanto Nora opta, deliberadamente, por deixar para trás o passado e todas as possibilidades que poderia trazer, Hae-Sung concentra-se na possibilidade de um futuro onde uma eventual convergência de almas poderá acontecer. O passado é, então, deixado para que haja, realmente, possibilidade de vida, e é só esta despedida que permite o abraço final entre Nora e Arthur.
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.