Pandemia, crianças 0-6, jardim de infância e brincar: breve reflexão

Todos temos a perceção da importância do brincar e da socialização para as crianças, no entanto, parece que devido à pandemia esta importância ficou ainda mais vincada. E ainda bem!

Quando a pandemia COVID-19 foi declarada em março de 2020, a vida das famílias em todo o mundo foi interrompida. Muitos adultos viram-se a trabalhar em casa e as crianças impedidas de ir à escola. Dados da Unesco (2020) apontam que entre março e maio de 2020 mais de 1 bilião de crianças em todo o mundo tiveram as suas atividades escolares suspensas em decorrência da COVID-19.

Para além desses períodos prolongados, quando se detetava um caso positivo de COVID-19 fomos também obrigados a permanecer em isolamento, regra aplicada a “miúdos e graúdos”.

Num estudo realizado na Irlanda, onde foram questionados 500 pais de crianças até aos 10 anos, sobre o que sentiram as crianças em confinamento, ao verem-se proibidas de ir à escola, verificou-se que a maioria sentia falta do seu ambiente escolar, nomeadamente da rotina e das atividades ronlinesealizadas. Para além disso, as crianças também sentiram saudades dos seus amigos (Egan, et al, 2021). Resultados semelhantes foram apresentados no estudo Save the Children (2020), em que os pais das crianças referiram que os seus filhos estavam infelizes porque tinham saudades dos seus amigos e de brincar com eles.

Quando as crianças brincam livremente umas com as outras, elas cooperam e aprendem a trabalhar em conjunto (Howard & McInnes, 2013; Singer et al., 2006) e conseguem expressar e ouvir as opiniões e ideias dos seus pares (Fantuzzo et al., 1998). A interação com outras crianças propicia bastante o seu desenvolvimento socioemocional, e as restrições impostas prejudicaram essas oportunidades de interação.

Neste sentido, os educadores de infância puseram mãos à obra e começaram a planear atividades à distância para as crianças que estivessem em casa.

Com o intuito de conhecer essas atividades, desenhámos um estudo exploratório e elaborámos um questionário que foi distribuído online em jardins de infância portugueses. Desta forma, perguntámos aos educadores de infância que atividades tinham realizado com as crianças quando estas estavam confinadas ou em isolamento. Responderam-nos 700 educadores de infância que trabalham com crianças dos 4 meses aos 6 anos.

Assim, a atividade que teve (de longe!) mais sucesso em todas as faixas etárias foi o conto de histórias.

Assim, a atividade que teve (de longe!) mais sucesso em todas as faixas etárias foi o conto de histórias. Segundo os educadores de infância, as histórias foram dinamizadas em momentos como a Hora do Conto, recorrendo a materiais como fantoches, ou através da visualização de vídeos.

Relativamente ao grupo de crianças com mais de 3 anos, depois das histórias, a atividade que teve mais sucesso nestas idades foi a música. As crianças e os educadores cantaram canções, como a “canção do bom dia”, canções de roda e fizeram ritmos.

De seguida, a expressão plástica foi a atividade mais referida. Dentro da área da expressão plástica, várias atividades foram mencionadas: modelagem, desenhos e pinturas, atividades em papel enviadas previamente para os pais, Origami, colagens ou plasticina.

As atividades físicas foram também mencionadas, nomeadamente educação física e jogos de movimento.

As oportunidades para brincar são primordiais para que as crianças mais jovens possam desenvolver competências sociais e emocionais,

Conversas informais também fizeram parte dos planos dos educadores de infância para realizar com as crianças. Eram momentos de partilha entre as crianças, onde estas mostravam os seus brinquedos, diziam como passavam o tempo, colocavam questões entre elas e onde os pais também participavam.

As crianças de 2-3 anos, para além das histórias, também realizaram atividades de música, expressão plástica, atividades físicas e experiências.

As crianças de 1-2 anos ouviram também essencialmente histórias, músicas, realizaram atividades de expressão plástica e atividades físicas.

Por fim, as crianças de 4 meses a 1 ano ouviram músicas, histórias, realizaram expressão plástica, fizeram atividades físicas e jogos lúdicos.

Com menos expressão, mas também mencionadas, estão atividades sensoriais e atividades realizadas com materiais em casa, jogos com as famílias, expressão dramática, culinária, leitura de rimas e adivinhas.

É Interessante verificar que, independentemente da faixa etária, as atividades planeadas pelos educadores são muito semelhantes. Para além disso, também se assemelham muito às atividades realizadas em jardim de infância, antes de qualquer tipo de confinamento. Possivelmente os educadores de infância quiseram continuar a proporcionar às crianças as suas rotinas de jardim de infância, iniciando inclusivamente as atividades à distância com a “música do bom dia”.

Sem dúvida que o jardim de infância pode providenciar uma base segura para as crianças, permitindo-lhes estabelecer relacionamentos com seus adultos e crianças. As oportunidades para brincar são primordiais para que as crianças mais jovens possam desenvolver competências sociais e emocionais, pensamento crítico, desenvolver resiliência e competências para lidar com situações adversas (National Scientific Council on the Developing Child, 2015). O papel e a resposta dos educadores de infância são, portanto, críticos.

Todos temos a perceção da importância do brincar e da socialização para as crianças, no entanto, parece que devido à pandemia esta importância ficou ainda mais vincada. E ainda bem!

Fotografia – Julia M Cameron no Pexels

Referências: 

Egan, S., Pope, J., Moloney, M., Hoyne, C., & Beatty, C. (2021). Missing Early Education and Care During the Pandemic: The Socio-Emotional Impact of the COVID-19 Crisis on Young Children. Early Childhood Education Journal, 49, 925–934.

Fantuzzo, J., Coolahan, K., Mendez, J., McDermott, P., & Sutton-Smith, B. (1998). Contextually-relevant validation of peer play constructs with African American Head Start children: Penn interactive peer play scale. Early Childhood Research Quarterly, 13(3), 411–431

Howard, J., & McInnes, K. (2013). The essence of play: A practice companion for professionals working with children and young people. Routledge.

National Scientific Council on the Developing Child. (2015). Supportive Relationships and Active Skill-Building Strengthen the Foundations of Resilience: Working Paper 13. Consultado a 4 outubro 2020, em http://www.developingchild.harvard.edu

Save the Children (2020). Protect a generation. The impact of COVID-19 on children’s lives. Retrieved December 21, 2020, from https://www.savethechildren.org.au/getmedia/c3cf8443-37bc-4420-b53b-de6800d4dbaa/ProtectAGeneration_1189391475.pdf.aspx

Singer, D. G., Golinkoff, R. M., & Hirsh-Pasek, K. (Eds.). (2006). Play = learning: How play motivates and enhances children’s cognitive and social-emotional growth. Oxford University Press. https://doi.org/10.1093/acprof:oso/9780195304381.001.0001

Unesco. 2020. COVID-19 Educational Disruption and Response. https://en.unesco.org/covid19/educationresponse.

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.