Onde estará a 12 de outubro?

O que se negoceia no OE é muito mais do que 40% dos nossos recursos. Os partidos estão também a influenciar como podemos alocar recursos que o Estado não consome. Seria importante que a atenção mediática se centrasse nestas escolhas.

O governo tem menos de um mês para entregar o Orçamento do Estado. A data aproxima-se e a atualidade política centra-se nesse momento alto. Devíamo-nos concentrar nisto.

O orçamento explica como é que o governo pretende gastar cerca de 40% de tudo aquilo que produzimos em Portugal. Sim, as despesas do Estado representam essa proporção do PIB. Isto significa que, em média, por cada dez ovos produzidos, o Estado fica com quatro.

No entanto, a intervenção do Estado na nossa vida é bem mais pesada do que esta média de 40% deixa antever. O Orçamento do Estado é, assim, um documento muito mais importante do que parece. Merece a nossa atenção.

A média esconde que a dimensão da interferência varia consoante as áreas da economia. Para atingir esta média, há áreas onde o Estado fica com mais do que 4 em cada 10 ovos, enquanto noutras ficará com menos. Para ver porquê, pense no tempo da escola. Dois alunos com a mesma média podem ter notas muito diferentes. Tanto tem uma média de 15 o aluno com 15 a tudo, como o aluno com 20 a matemática e 10 a português.

Infelizmente, o poder estatal tende a sentir-se com mais força nas áreas cruciais da nossa vida. O peso que suportamos é por isso maior do que a média sugere. Isto acontece porque o Estado interfere e recolhe receita onde as pessoas não têm alternativas disponíveis. Temos de trabalhar para sobreviver, por isso temos um substancial imposto sobre o trabalho; temos de nos aquecer e deslocar, por isso temos tão grandes impostos sobre a energia. Se pudéssemos fugir, fugíamos. Não podendo, pagamos.

Ademais, existem áreas onde o Estado se faz sentir, sem que isso represente um custo para o mesmo. Exerce o seu poder, ficando este fora da contabilidade. A regulação imposta em inúmeros setores agrava os custos das empresas e famílias. Basta falar com quem gere um restaurante, um hotel, uma pequena empresa, ou com quem quer simplesmente construir uma casa. O fardo é muitas vezes brutal, levando a que as pessoas desistam dos seus projetos.

O que vai determinando a nossa pobreza sistémica é, portanto, discutido no orçamento de cada ano. O nosso nível de vida seria certamente maior se os orçamentos tivessem privilegiado a liberdade para escolher onde aplicar o nosso esforço, e defendido um maior retorno para o mesmo.

A intervenção do Estado que o Orçamento define não é só uma abstração; ela tem um impacto muito real na nossa vida. Cada vez que alguém consome menos de um bem, ou que alguém desiste de um projeto que acha que vale a pena, estamos a reduzir a atividade económica. Isto torna-nos coletivamente mais pobres. Claro que esta intervenção também permite um Estado que regula mercados que falham e promove a igualdade de oportunidades. Mas não devemos esquecer que estes benefícios não são grátis (aliás, é por não serem grátis que devemos exigir eficiência e ausência de cegueira ideológica na aplicação dos dinheiros arrecadados).

O que vai determinando a nossa pobreza sistémica é, portanto, discutido no orçamento de cada ano. O nosso nível de vida seria certamente maior se os orçamentos tivessem privilegiado a liberdade para escolher onde aplicar o nosso esforço, e defendido um maior retorno para o mesmo. A interferência do Estado, para além de consumir ovos, reduz o seu número total. É por isso que esta discussão anual tem de ser um dos momentos altos da nossa vida democrática.

Aquilo que se está a negociar é muito mais do 40% dos nossos recursos. Os partidos envolvidos estão também a influenciar como podemos alocar os recursos que o Estado não consome. Seria importante que a atenção mediática se centrasse nestas escolhas, e que a nossa vida coletiva tivesse a maturidade suficiente para as escrutinar. Se continuarmos centrados na espuma dos dias ficaremos cada vez com menos ovos. A pobreza continuará a ser um flagelo no país, e continuaremos a ser relegados para a cauda da Europa na generalidade dos índices de qualidade de vida.

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.