Olhar para além das diferenças

O que me deixa confusa é que, por vezes, estes preconceitos vêm de pessoas que acreditam n’Ele, quando o exemplo que Jesus nos deixou quando veio à Terra foi exatamente o oposto.

Começo a escrever este texto no final do meu primeiro ano na faculdade. Foi um ano cheio de novidades e descobertas, onde tive a grande sorte de cruzar o meu caminho com algumas pessoas que, em tão pouco tempo, passaram a dizer-me tanto. Quando penso nas razões que nos levaram a aproximar-nos uns dos outros, encontro semelhanças e interesses que partilhamos. O estilo de música, o gosto pela arte, os hobbies, a prática de desporto ou o gosto pela leitura, levaram-me a alargar o círculo de amigos.

Conversávamos durante horas no relvado da biblioteca da faculdade, entre jogos de cartas e tostas mistas, sobre como é que no meio de tantos motivos que nos juntaram, conseguimos encontrar diferentes pontos de vista sobre determinados assuntos. Às quartas-feiras à tarde já era certo que tínhamos encontro marcado debaixo da sombra da árvore maior, e ali nos deitávamos, a ouvir atentamente as inquietações, sonhos e objetivos de cada um.

Estávamos ainda a falar sobre a aula de Bioquímica Ambiental que tínhamos acabado de ter, acerca de uma nova bactéria que consegue decompor os micro-plásticos presentes no oceano, quando a Rita partilhou, com o resto do grupo, o que tínhamos presenciado nesse dia de manhã a caminho da faculdade. Quando nos sentámos nas cadeiras do metro entrou uma rapariga com um estilo diferente do habitual e uma senhora, diria que com os seus sessenta e alguns anos, ficou a olhar para ela com uns olhos arregalados que claramente transpareciam julgamento, repugnância e um ar de quem, mais cedo ou mais tarde, iria fazer um comentário para o ar sobre aquela rapariga que a ninguém tinha incomodado.

Todos ouviam atentamente o nosso episódio, uns com vontade de intervir imediatamente para defender ou tentar explicar um dos lados, outros só estupefactos, sem perceber como é que situações destas continuam a acontecer em pleno século XXI, com tanta regularidade. Depois de muito conversar e debater, chegámos à conclusão que, para nós, não faz sentido assumir um pressuposto, neste caso, com base na aparência de alguém.

Depois de muito conversar e debater, chegámos à conclusão que, para nós, não faz sentido assumir um pressuposto, neste caso, com base na aparência de alguém.

Levei o assunto para casa e, antes de adormecer, dei por mim a reviver a conversa que tínhamos tido nessa tarde. Neste caso tinha sido a aparência que desencadeou todo um conjunto de preconceitos acerca de uma pessoa, mas quantas vezes são colocados rótulos com base numa opinião política, na religião, na orientação sexual, na origem ou em crenças dos que estão à nossa volta, usando muitas vezes adjetivos pejorativos, que desvalorizam e desprezam diferentes maneiras de estar e de viver.

Limitemo-nos a olhar para o próximo sem julgamento porque, na realidade, ninguém é dono da verdade. Se acredito que Deus nos criou livres, então sejamos capazes de respeitar a maneira como os outros optam por usufruir da liberdade, até porque, na grande maioria das vezes só temos a ganhar quando nos disponibilizamos a ouvir diferentes pontos de vista e maneiras de levar a vida. Aprendemos não só sobre os outros, mas também sobre nós mesmos. Quando ouvimos e nos fazemos ouvir podem surgir discussões saudáveis e interessantes que nos permitem ter a certeza, ou não, daquilo em que acreditamos. E mesmo que não mudemos a nossa visão, pelo menos aprendemos mais sobre outras maneiras de pensar.

O que me deixa confusa é que, por vezes, estes preconceitos vêm de pessoas que acreditam n’Ele, quando o exemplo que Jesus nos deixou quando veio à Terra foi exatamente o oposto. Há tantas histórias que conhecemos que nos falam da Sua proximidade com aqueles que eram postos de parte na sociedade. Lembro-me de uma frase tão simples e que suporta uma ideia essencial à minha vida: “Amai-vos uns aos outros como Eu vos amei”. Se nos afirmamos cristãos, precisamente porque fazemos parte da mesma Igreja, só faz sentido estarmos de braços abertos e prontos para que caiba sempre mais alguém.

Era tão bom se todos no mundo se sentassem debaixo da árvore maior e partilhassem as suas inquietações, na certeza de que seriam ouvidos sem serem julgados.

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.