Han Kang, a mais recente laureada com o Prémio Nobel da Literatura, teve um novo livro lançado em Portugal em Janeiro: Despedidas Impossíveis (Dom Quixote). Para quem conhece a sua obra, sabe que cada livro representa um passo em direcção à paz, abordando os diversos e violentos massacres ocorridos na Coreia do Sul. Depois de ter explorado, em Actos Humanos, a repressão brutal das revoltas estudantis em Gwangju, sua cidade natal, Kang volta-se agora para outro episódio silenciado da história: o massacre de Jeju de 1948, onde se estima que, pelo menos, 30 000 pessoas tenham sido mortas.
A ironia da prosa – pela sua subtileza– de Han Kang reside na forma como simboliza e desafia a incapacidade da linguagem para expressar o indizível. Em quase todos os seus livros, o silêncio assume um papel central, crescendo e dominando a narrativa até determinar o desfecho de cada história.
Neste romance, este silêncio caminha lado a lado com as protagonistas, Iseon e Kyungha, duas amigas cujas trajetórias são marcadas pelo trauma geracional causado pelo massacre. Kyungha é jornalista e, tal como Han Kang, acaba de publicar um livro sobre o massacre de Jeju. Durante meses, mergulhou na pesquisa dos factos, nas histórias enterradas pelo tempo, mas agora sente-se assombrada por pesadelos, enxaquecas e a incapacidade de deixar essa história para trás. Quando Iseon tem um acidente e corta dois dedos da mão, Kyungha é a única pessoa que poderá ir a sua casa tentar salvar o seu pássaro; tudo isto no meio de uma tempestade. A neve, elemento recorrente no romance, carrega essa mesma dor, propagando o silêncio. Representa ao mesmo tempo a amnésia e a recordação, cobrindo e apagando rastros, mas também despertando lembranças insuportáveis. Para as personagens, a neve é um obstáculo físico e emocional, carregando as vozes dos que partiram e tornando-se um espelho da sua dor. A narradora, na sua viagem até Jeju, é confrontada com os ecos do passado silenciado da ilha.
Han Kang coloca o silêncio como um acto de memória e respeito, uma forma de honrar as vítimas e de se opor à brutalidade da guerra. Aqui, a ausência de palavras torna-se mais poderosa do que qualquer discurso, carregando toda a carga dramática, política e existencial que, muitas vezes, a linguagem não consegue transmitir por completo.
No final, Despedidas Impossíveis não é apenas um livro sobre o passado; é uma chamada de atenção de que recordar é também um acto de resistência. O silêncio de Han Kang é um grito anti-guerra; é um tributo aos mortos e aos sobreviventes. O acto de ler a sua obra é, por si só, um convite à memória e à reflexão, um meio de dar voz àqueles que foram silenciados pela história.
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.