O que vês da tua janela?

Nunca tomámos tanta consciência da nossa necessidade de contacto com a natureza, como quando nos vimos obrigados a estar longe dela. Uma sociedade justa será aquela que conseguir colmatar esta necessidade para todos.

Durante o ano que passou o número de compras de plantas para varandas e de interior aumentou significativamente. Esta procura diz muito sobre a nossa necessidade de contacto próximo com a natureza. Parece que nunca tomámos tanta consciência desta relação, como quando nos vimos obrigados a estar longe dela.

De repente passámos a dar outro valor às varandas (para quem as tem) e às vistas das nossas janelas. O fenómeno das varandas foi bastante noticiado, fotografado e estudado. Investigadores de todo o mundo apressaram-se a medir e a avaliar a importância que a proximidade a espaços verdes teve na saúde física e mental, durante o tempo de confinamento. Já nos anos 70, no hospital da Pensilvânia, um estudo americano constatou que os pacientes que dormiam em quartos com vista para árvores recuperavam mais rapidamente após intervenção cirúrgica.

Para além das varandas, o mesmo se podia dizer dos logradouros e quintais da nossa cidade. Um logradouro privado bem gerido, com a manutenção de áreas permeáveis, de quintais e jardins, produz inúmeros bens muitas vezes de usufruto público, que em tempo de confinamento se destacaram ainda mais. Estes bens, de que todos beneficiamos e que são fruto de uma boa gestão da propriedade privada, é o que a doutrina social da Igreja define como função social da propriedade privada.

Um quintal pode contribuir para a regulação da temperatura do ar, o aumento da infiltração da água no solo, o aumento da biodiversidade (pássaros e insetos polinizadores), mas também para a melhoria das vistas, dos sons e dos cheiros. Tudo isto acarreta enormes benefícios para os moradores, tanto a nível da saúde física, como emocional e espiritual.

Só para nomear alguns exemplos, um quintal pode contribuir para a regulação da temperatura do ar, o aumento da infiltração da água no solo, o aumento da biodiversidade (pássaros e insetos polinizadores), mas também para a melhoria das vistas, dos sons e dos cheiros. Tudo isto acarreta enormes benefícios para os moradores, tanto a nível da saúde física, como emocional e espiritual.

Tendo em conta os serviços de ecossistemas que prestam e também o enorme contributo para a saúde pública, estas externalidades positivas deveriam ser melhor integradas no planeamento das cidades. Para isso, seria necessário garantir o cumprimento das normas relativas ao uso dos logradouros, previstas nos Planos Diretores Municipais, e, paralelamente, criar incentivos que promovam a boa gestão destes espaços.

Infelizmente, sabemos que não é isto que acontece em muitos logradouros da nossa cidade, antigos quintais que viram pomares, galinhas, hortas, e que se encontram transformados em estacionamentos ou barracões. Para quem habita nestes prédios, o confinamento significa um afastamento total da natureza, da Criação da qual fazemos parte. Estas pessoas não veem a mudança de cor das folhas, não sentem o cheiro da chuva sobre a terra, não ouvem os pássaros. Veem betão, sentem o cheiro do betão e não ouvem nada ou ouvem o barulho dos sistemas de ventilação.

É verdade que nos é permitido o passeio higiénico e que muitos de nós ainda podemos ir dar uma volta a um jardim e respirar ar puro. É verdade que a cidade de Lisboa, onde moro, conta com enormes progressos, desde a implementação do Plano Verde de Lisboa, coordenado pelo Arquiteto Paisagista Gonçalo Ribeiro Telles, às iniciativas da Câmara Municipal de Lisboa no âmbito da Capital Verde Europeia. Os espaços verdes da cidade nunca foram tão aproveitados como em 2020.

No entanto, o contexto de confinamento em que nos encontramos novamente continua a ser uma chamada de atenção para o que ainda está por fazer nos logradouros da nossa cidade e também nas zonas mais pobres da cidade, onde a malha urbana é mais densa e os espaços verdes escassos. Se alargarmos esta análise a outras cidades, a países pobres e sobrepovoados, sem qualquer ferramenta de planeamento que os salve, a situação foi e será com certeza ainda mais grave.

A privação do contacto com a natureza não só afeta a saúde, como põe em causa a dignidade do ser humano, que se constitui parte da Criação e que requer, por isso, proximidade a esta.

Na carta encíclica Laudato Si’, o Papa Francisco defende que: “para se poder falar de autêntico progresso, será preciso verificar que se produza uma melhoria global na qualidade de vida humana; isto implica analisar o espaço onde as pessoas transcorrem a sua existência. Os ambientes onde vivemos influem sobre a nossa maneira de ver a vida, sentir e agir. Ao mesmo tempo, no nosso quarto, na nossa casa, no nosso lugar de trabalho e no nosso bairro, usamos o ambiente para exprimir a nossa identidade. Esforçamo-nos por nos adaptar ao ambiente e, quando este aparece desordenado, caótico ou cheio de poluição visiva e acústica, o excesso de estímulos põe à prova as nossas tentativas de desenvolver uma identidade integrada e feliz” (LS 147).

Partindo das palavras do Papa Francisco, diria que a possibilidade de avistar uma árvore a partir da janela de casa (o mesmo se podia dizer dos locais de trabalho, em tempo de não confinamento) não é um luxo mas uma necessidade. Nesse sentido, uma sociedade justa será aquela que conseguir colmatar esta necessidade para todos. Esta parece ser uma questão de senso comum, mas que requer muita vontade política (como por exemplo, garantir o bom uso dos logradouros) e uma boa gestão por parte dos proprietários destes espaços.

A privação do contacto com a natureza não só afeta a saúde, como põe em causa a dignidade do ser humano, que se constitui parte da Criação e que requer, por isso, proximidade a esta. Por esta razão, garantir o bom uso dos logradouros é não só uma questão ambiental mas também uma questão de justiça social, mais ainda no contexto de confinamento que vivemos. Esperamos que o contexto pós-pandemia traga ventos de mudança. Espero que também os traga para os logradouros das nossas cidades.

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.