O que levam os jovens das nossas escolas para o futuro?

O que estes jovens, que estão hoje obrigatoriamente nas escolas até aos 18 anos, não levarem para o futuro no seu coração, não vai estar lá presente, nesse tão desconhecido futuro.

No atual contexto sociocultural de aceleração e vertigem, a confrontação de cada um consigo mesmo tornou-se, para uma muito larga franja da população, uma impossibilidade prática. Vejamos:

(i) o contacto permanente das crianças e jovens com as novas tecnologias e com gadgets tecnológicos extremamente atrativos e permanentemente atualizados, que os ligam a todo o segundo com os “amigos”, ou seja, com os mais iguais a si mesmos,

(ii) a proximidade constante com a cultura dominante do ter, do espetáculo e da performatividade exibicionista (a começar pela escola, que tantas vezes o que favorece é a performatividade e o exibicionismo, em detrimento do desenvolvimento humano),

(iii) o fomento do individualismo, do isolamento das pessoas em ilhas de iguais, ou “comunidades de mesmidade”, como dizia Z. Bauman, a que podemos acrescentar ainda

(iv) o excesso de atividades e tarefas que se colocam em cima das crianças e

(v) a ação das “novas famílias” que crescem em desorientação e em medo, diminuindo a sua capacidade para gerar tempos educativos positivos e de qualidade,

(vi) além da verdadeira vertigem em que tudo parece ter de ocorrer, mesmo na escola, atrás de classificações e exames, como se já não fosse possível viver em outros ritmos, tempos e modos, … Tudo isto e certamente muito mais, nos está a empurrar violentamente para fora de nós mesmos e da realidade que nos cerca. Até do real fugimos, fantasiando sobre ele de modo inusitadamente criativo.

Estamos a ser autoexcluídos de nós mesmos, afastamo-nos da nossa própria casa e vagueamos cada vez mais ao sabor daquilo que querem que pensemos, façamos e digamos; os políticos e os media, que nos poderiam ajudar a redimir, foram, em grande escala, capturados pelo capitalismo financeiro, especulativo e desencarnado.

Neste tipo de quotidiano vertiginoso e sempre conectado, quando é que as crianças param (acordadas), quando é que fazem silêncio, quando é que celebram a vida, quando é que aprendem a pensar e a refletir sobre o modo como pensam, quando é que olham o mundo de frente, de lado e de pernas para o ar, quando é que contemplam a beleza das coisas simples, dos pequenos gestos, da natureza e da sua vitalidade e harmonia, quando se relacionam profundamente com os outros, quando e como é que podem perceber que estão a cair ou que se podem erguer como pessoas, ou como compreendem que estão simplesmente a ser postos a levitar?

Sem ouvir o silêncio em si mesmo, ninguém se ouve a si mesmo. Se uma pessoa não se ouve a si mesma, como é que pode erguer sobre a sua consciência, as suas aptidões, as suas competências, as suas escolhas, os seus valores e ideiais, um projeto de vida próprio e com sentido, integrado na comunidade, ao serviço do bem comum?

Como é que se educam e formam pessoas equilibradas, capazes de viverem em comum e em paz com as demais, se os aparentes pontos de equilíbrio estão fora de si mesmos, manietados por interesses que lhes são desconhecidos?

Contamos com o acesso desenfreado a imagens (veja-se, por exemplo, o peso galopante das imagens nas novas tecnologias e nas redes sociais), desenvolvemos competências de comunicação sobretudo icónico-simbólicas, ligadas ao repentino e ao imediatismo, ao superficial e fragmentado, ao rapidamente visto, o que está ligado ao leque de palavras a que muitos adolescentes e jovens com quem trabalho recorrem, que é escassíssimo[1].

Sem dúvida, isto acaba por estar intimamente ligado à nossa incapacidade de nos narrarmos, de termos espaço e tempo para a conversa (na escola, na família, no ambiente social), para a audição e construção de novas narrativas, afastando-nos assim, mais e mais, da nossa própria identidade e da explicação e expressão de nós mesmos.

Pergunto: será preciso deixar secar a água do poço para sabermos o que é a sede?

A justiça e a esperança de que a educação escolar se deve revestir, todos os dias, requerem um novo esforço, um novo, grande e belo desafio e fazem apelo a uma renovação educacional profunda, neste tempo de transição cultural.

A escola tem de prosseguir e aperfeiçoar a sua capacidade de formar crianças e jovens competentes, capazes de aceder ao conhecimento pertinente e oportuno, sempre, ao longo de toda a vida. Mas sabemos também que quanto mais a educação escolar se fechar na mera preparação para os exames e no desenvolvimento de apenas uma ou duas facetas da tão multifacetada inteligência humana (como bem analisou Gardner), no incremento de um ou dois tipos de competências, mais as crianças e os jovens se veem impedidos de se desenvolver como seres humanos completos, livres e solidários e fazer face aos complexos dias que se avizinham.

A educação que defendemos não é unidimensional, mas múltipla, poliédrica, articulada com a axiologia, apta a ligar cooperativa e solidariamente todos os humanos. Ou seja, os modelos dicotómicos, que só desorientam e desfocam do essencial, afastam-nos de uma educação escolar capaz de desenvolver ao máximo pessoas competentes, que sejam ao mesmo tempo boas pessoas, bons cidadãos, como um único ramo de múltiplas flores, um só currículo escolar.

A escola deve prosseguir o seu esforço para acolher e educar todos os cidadãos, imersos hoje num mundo tecnológico que os desafia e lhes abre imensas oportunidades, mas também os atola na desconcentração e na desorientação. Sabemos que só uma profunda capacidade de atenção, concentração e contemplação permitem a cada um perceber o mundo em que vive e descobrir-se a si e aos outros, bases para ser capaz de viver bem, em comum e em paz.

Mas, como pode hoje a escola responder a este repto? Um modelo organizacional e curricular, normalizado e inflexível não serve. Um modelo pedagógico apenas centrado sobre a preparação de alunos para testes e exames é muito pobre e liofilizado e dificilmente justifica o tanto que o sistema educativo custa ao país, ou seja, a todos nós. Transmitir o que é codificado e claro, as tecnologias fazem-no cada vez mais eficazmente (e os professores bem pode ser substituídos por robôts humanoides!). Alunos passivos e treinados a aceder e utilizar os conhecimentos fragmentados e estanques não servem o presente e muito menos o futuro, principalmente quando as organizações políticas, sociais e económicas pedem hoje aos cidadãos capacidade de iniciativa, de criatividade, de empreendimento, de cooperação e de solidariedade (basta ler os relatórios das organizações internacionais e os resultados de muita investigação).

Se não derem a volta para melhor responderem a estes desafios, as escolas empobrecem-se como instituições de educação e, assim, empobrecem as crianças e os jovens, comprometendo o seu presente e o seu futuro. Precisamos dessa escola de perfil humanista e emancipador, focada em cada e em todos os alunos, fomentando o seu desenvolvimento e a explosão de uma imensidade de excelências humanas.

Recuso a secura antropológica e axiológica da educação e das escolas, pois quanto mais ela cresce, mais definha toda a capacidade humana para nos pensarmos a nós mesmos e ao mundo que criámos. Opto por formar (assertivamente) pessoas competentes e eticamente fortalecidas, boas pessoas e comprometidas com o bem comum.

O que estes jovens, que estão hoje obrigatoriamente nas escolas até aos 18 anos, não levarem para o futuro, no seu coração, não vai lá estar presente, nesse tão desconhecido e instável futuro.
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[1] Ver por exemplo o trabalho de Louis Cozolino, The social neuroscience of education (2103), New York: WW Norton & Company.

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.