O outro ‘ranking’ das Escolas

A dimensão cognitiva, de aquisição e avaliação de conhecimentos, é apenas a ponta de um gigantesco 'iceberg' que está longe de esgotar as diferentes valências presentes na vida dos alunos e, por consequência, no dia a dia de uma escola.

“Obrigada por tudo! Foi uma excelente professora, que para além de nos ter transmitido os conteúdos das matérias dadas nas aulas, transmitiu-nos também muitos valores para a nossa vida futura e ensinou-nos a crescer e a saber estar. Despeço-me com o mais profundo carinho e um muito obrigada!”

Não é todos os dias que na caixa de entrada do correio eletrónico da professora Elizabete (nome fictício) surge um email destes, de uma sua antiga aluna. Já na Universidade, num mundo e contextos completamente diferentes dos do ensino básico e secundário, olhando para trás, Andreia (nome fictício) relê o seu percurso escolar com outro olhar, com outras lentes e filtros.

Ao fazê-lo agora, percebe, melhor do que nunca, o que mais a ajudou a preparar-se para a vida adulta e ir entrando num mundo tão cheio de desafios e de exigências. Há tantos momentos na vida que só se avaliam como significativos e estruturantes alguns anos depois de terem acontecido, de terem sido vivenciados e experimentados. O tempo é um fator tão importante na seleção natural dos factos, dos acontecimentos e das aprendizagens que, realmente, valem mais do que outras, e que gostaríamos de conservar para sempre, de nunca as perder.

Esse património, esse tesouro que trazemos connosco, está tão intimamente ligado a odores, a cores, a sons, a texturas, mas acima de tudo a emoções que fizeram e ainda fazem vibrar as fibras mais recônditas do nosso interior. Emoções, claro está, conectadas com pessoas, essa obra-prima da Natureza capaz de se relacionar, de comunicar, de dar e de receber objetos materiais, mas também bens de natureza espiritual.

A antiga aluna que escreveu estas palavras alguns anos depois de as ter vivido, está em condições de compreender que quase nada teria sido possível sem a sua professora – a Elizabete – que a marcou positivamente e que, em muitas circunstâncias, além de professora, foi companheira, confidente e amiga. Nunca deixou de ser professora, mas foi capaz de descer, de se aproximar, de se colocar ao nível daquela a quem procurava ajudar e de despender gratuitamente tanto do seu tempo e energia vital.

O eco dos antigos alunos é um precioso contributo para a consolidação e melhoria de uma instituição educativa e, no entanto, quer-me parecer que, raramente ou nunca, este feedback, quando existe, acabe por chegar ao seu destino final e seja aproveitado como elemento integrador de uma saudável avaliação da instituição, dos seus procedimentos, das suas estratégias de ensino-aprendizagem, da sua cultura, missão e finalidade.

Desde o ano 2000, o Ministério da Educação tem publicado a base de dados com os resultados dos exames a nível nacional, primeiro do 11º e 12º anos e, desde 2005, também do 9º ano. Muita da nossa comunicação social analisa esses dados brutos mediante certos critérios e chega à elaboração de um ranking. Embora os rankings elaborados valham o que valem, a disponibilização dos dados por parte do Ministério da Educação é um exercício saudável de transparência democrática e assim deve continuar.

Em todo o caso, os dados disponibilizados são apenas a ponta de um gigantesco iceberg que está longe de esgotar as dimensões presentes na vida de um estudante e, por consequência, no dia a dia de uma instituição educativa. É profundamente redutor tomar a parte pelo todo, tomar a dimensão cognitiva – de aquisição de conhecimentos – como se fosse a única e a mais importante. E sabemos que o não é. A excelência humana é tão importante como a excelência académica. Mais: é a excelência humana que dá sentido e significado à excelência académica e não o contrário.

Como dizia recentemente António Damásio, “Sem educação, os homens «vão matar-se uns aos outros».” E, na mesma linha de pensamento, Jorge Cardoso, aqui no PONTO SJ, escrevia: “Um certo tipo de educação […], dá azo à formação de pessoas que, apesar de serem donas de muitos e variados conhecimentos, saberes e capacidades, possuem um muito fraco sentido de humanidade, justiça e solidariedade. E, sem esse sentido, então a educação muda o mundo sim, mas corre o sério risco de o mudar para pior.”

A questão não está tanto na falta de informação e de conhecimento – quem não usa a pesquisa do Google, por exemplo, para obter uma informação rápida – mas no que se faz com essa informação e conhecimento adquiridos. Podemos usá-los prioritariamente para fins egoístas, para o sucesso fácil, para a satisfação imediata de apetites, ou podemos ampliar e melhorar esse conhecimento com o nosso contributo pessoal para o colocar ao serviço dos outros e do bem comum da sociedade e do mundo. Entre uma e outra finalidade, há um abismo de distância. A educação existe para ajudar a acolher livremente a segunda finalidade como aquela que nos pode fazer verdadeiramente felizes na exata proporção em que contribuímos/colaboramos para fazer felizes os outros.

Roberto Carneiro chamava criativamente a esta sequência: Informação – Conhecimento – Aprendizagem – Sentido, “Uma sinfonia, quatro movimentos” e colocava em último lugar a dimensão de sentido. Caso para dizer, “last, but not least”. O que se aprende deve fazer sentido para mim, mas também deve fazer sentido para nós, um “nós” capaz de integrar o mundo na sua plural diversidade e diferença, orientado pela mesma união e comunhão de esforços. Sem esta dimensão de sentido, humana e integral, a educação ficaria irremediavelmente amputada e privada da “irmã mais nova” que, em verdade, é a que move e motiva as outras três.

“O Alexandre Farto (Vhils), por exemplo, contou como as suas professoras do secundário foram essenciais para o fazer acreditar no seu potencial artístico e se focar em desenvolver a sua arte.“, escreveu Afonso Mendonça Reis numa recente crónica. Esse toque essencial dos educadores que marca – quem sabe, para sempre – a vida de um educando, faz toda a diferença. Os bons professores/educadores, academicamente competentes e humanamente sensíveis, sabem disso. Estão atentos e vigilantes em relação ao crescimento e desenvolvimento dos seus alunos, em relação aos seus ritmos de alegria e tristeza, de motivação e desalento quotidianos, e conhecem-nos como ninguém – em muitos casos, melhor do que os próprios pais. E podem ajudar a crescer, a potenciar os talentos que timidamente desabrocham nos seus alunos, fazendo daquela escola onde trabalham e exercem a sua missão – mais do que mera profissão – a melhor escola, uma escola cada vez melhor e que, se calhar, nem aparece nos primeiros lugares dos rankings.

É tão desconcertante sentir que, nesta matéria, o debate esteja tantas vezes enviesado pela falsa dicotomia Escola Pública Vs Escola Privada. Todas as escolas são públicas, porque prestam um serviço público, independentemente de serem privadas ou do Estado. Parece que o Ministério da Educação tem receio que as famílias e os pais descubram por si mesmos qual é a melhor escola para os seus filhos – aquela que, no seu entender, tem um projecto educativo mais credível, mais consistente e melhor estruturado; aquela que, finalmente, ajuda a crescer e a crescer bem.

A Andreia, antiga aluna, intuiu que a melhor escola – aquela onde estudou – é a que ajuda a crescer de forma integral e integradora. Reconheceu que alguém cuidou da pessoa que está por detrás da aluna e agradeceu com simplicidade; e esse é o prémio mais sublime que um educador pode receber.

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.