Sabem quando um tema capta a nossa atenção e de repente parece que tudo nos fala e aponta para esse mesmo tema? Aconteceu-me isto recentemente, quando me dei conta do paradigma da aparência na nossa sociedade. Não é um tema novo, bem sei, mas continuamos a precisar de falar disto porque, mesmo com imensa consciência sobre o que se está a passar, vamo-nos afundando mais e mais na cultura do que parece ser, do que parece ter e do que parece acontecer.
Recentemente conheci o “Estudo Sobre o Desenvolvimento Adulto”, de Harvard, um dos estudos mais longos da história. Podem ouvir o trabalho de mais de 80 anos resumido neste TED, onde o atual diretor do estudo, Dr. Robert Waldinger, nos revela que a nossa saúde e felicidade dependem única e exclusivamente das boas relações que temos. Ponto. Não é o sucesso, não é o dinheiro, não é a realização profissional, mas as relações que mantemos que nos fazem viver mais e melhor. Porém, o que captou a minha atenção foi um detalhe que Waldinger partilha no início da sessão e que me deixou estarrecida: num questionário feito a millennials, à pergunta “Quais os seus principais objetivos de vida?”, mais de 80% dos inquiridos responderam que um dos objetivos mais importantes era ficar rico. E outros 50% desses mesmos inquiridos disseram que outro dos principais objetivos era tornar-se famoso.
Esta informação torna muito evidente o que já sabemos que se passa à nossa volta, mas que de certa forma não queremos acreditar: fomos hipnotizados pela ideia irreal de um mundo extraordinário que nos é apresentado. Começámos há umas décadas valentes com o boom dos anos 50 e a publicidade-vale-tudo, fomos aprimorando a capacidade de apresentar corpos perfeitos, lugares idílicos e vidas de sonho e cheias de luxo, até chegarmos aos dias de hoje em que qualquer pessoa com um telemóvel na mão e algum jeito para tirar fotografias pode manipular a realidade da sua vida e vendê-la nas redes sociais.
E, de repente, uma mentira contada mil vezes torna-se uma realidade. Comprámos esta ideia de que tudo tem de parecer perfeito, em que só quem tem muito sucesso é que é feliz, de que a beleza inatingível é o padrão normal, onde o extraordinário é agora ordinário e o incrível tornou-se banal. E assim vivemos na cultura do Instagram, onde recolhemos 300 fotografias do lado mais estético da vida, com o objetivo de publicar apenas uma (não sem antes lhe adicionar uns filtros para ficar com um ar menos desengraçado), ou onde recheamos o nosso LinkedIn com nomes pomposos e celebramos o nosso próprio sucesso (ainda que por dentro saibamos que a história não está completa). E, inevitavelmente, damos por nós a cair nas velhas armadilhas da comparação, a procurar só o que é bonito, e parece bem, e a desviar o nosso olhar da vida normal e monótona, onde está a feiura e a imperfeição.
E, inevitavelmente, damos por nós a cair nas velhas armadilhas da comparação, a procurar só o que é bonito, e parece bem, e a desviar o nosso olhar da vida normal e monótona, onde está a feiura e a imperfeição.
Colada à aparência de perfeição e de uma felicidade de revista, está a mania de só falarmos de sucesso. É urgente normalizar a ideia de fracasso. Falarmos tranquilamente e sem vergonha dos nossos enganos, erros e tropeções que são, muitas vezes, tão ou mais importantes no nosso percurso. Porque será que há tanta resistência em falar do fracasso? Focamo-nos tanto no sucesso dos outros e no resultado final, no produto que nos é apresentado a brilhar, que nos esquecemos que houve um caminho para chegar ali. Como diz o cantor Ed Sheeran, “não aprendemos nada com o sucesso, aprendemos tudo com o fracasso. O sucesso só acontece por falharmos centenas de vezes”. É quando falho e não consigo no imediato o que quero que tenho de trabalhar a minha resiliência, a minha criatividade e a minha capacidade de superação. É no fracasso que preciso de me reinventar e tentar de novo. É aí, justamente aí, que mais aprendo e evoluo. Mas nós não gostamos de falhar, ninguém gosta! Muito menos, de admiti-lo.
Mas como se ensina isto? A hipótese colocada pela psicóloga Carol S. Dweck, autora do livro Mindset, é justamente a de que, se ensinarmos que falhar pode ser um super-poder, estamos a dar as melhores ferramentas às nossas crianças. Se lhes mostrarmos que o talento não é inato, que a inteligência pode ser trabalhada e que o erro é o melhor caminho para aprender mais e melhor, estamos a dar-lhes confiança e capacidade de trabalho. A autora prova, com vários exemplos e estudos realizados, que incutir este mindset de crescimento, dos miúdos aos graúdos, traz resultados concretos e evolução na aprendizagem e no desempenho profissional.
A hipótese colocada pela psicóloga Carol S. Dweck, autora do livro Mindset, é justamente a de que, se ensinarmos que falhar pode ser um super-poder, estamos a dar as melhores ferramentas às nossas crianças. Se lhes mostrarmos que o talento não é inato, que a inteligência pode ser trabalhada e que o erro é o melhor caminho para aprender mais e melhor, estamos a dar-lhes confiança e capacidade de trabalho.
Mas, então, e o olhar? Como ensiná-los a ver além das aparências, além do que o que nos atrai por parecer forte e bem sucedido? Esta é fácil: temos o exemplo do “fracasso” mais bonito e arrebatador do mundo e celebramo-lo todos os anos por esta altura. Aprender a olhar a Sagrada Família na fragilidade do nascimento de Jesus pode ensinar muito acerca do que significa saber olhar profundamente para a realidade que nos é apresentada. Um casamento que começa mal, com um bebé não anunciado, uma viagem na pior altura de uma gravidez e naquelas circunstâncias, a chegada a uma cidade que não acolhe nem tem lugar para forasteiros e um parto doloroso no mesmo lugar onde comem e dormem os animais. Onde provavelmente está sujo e cheira mal e onde há pouca luz e conforto, vemos um bebé recém-nascido, pequenino e frágil em toda a sua humanidade. Uma mãe cheia de ternura e humildade que, confiadamente, apresenta o seu filho a visitantes desconhecidos. E um marido fiel que se entrega à missão de guardá-los e de cumprir a vontade de Deus.
Que nos lembremos de olhar a Sagrada Família quando nos falta a clareza no olhar, que nos lembremos de ver na fragilidade e vulnerabilidade de cada momento a profundidade da realidade que nos é dada viver. E que o nascimento de Jesus nos ajude a focar a lente do coração no essencial, no verdadeiro, no centro.
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.