No fio da navalha…

Estão, pois, todas reunidas, as condições para um provável agravamento das circunstâncias sanitárias e das respetivas consequências nos planos económico e social.

Os tempos são de incerteza: na saúde, elemento mais crítico da existência de cada pessoa; na gestão política de uma pandemia que provoca fortíssimas consequências económicas e sociais; na capacidade de o estado aguentar empresas e famílias, à beira da falência; na capacidade de resiliência de um povo sujeito a duas grandes crises, numa década.

Portugal vive tempos extraordinários que convocam os portugueses para um dos maiores desafios das suas vidas: enfrentar uma pandemia provocada por um vírus, com contornos ainda muito desconhecidos e consequências que ainda não se conseguem avaliar em toda a sua extensão. O que fazer? Voltar a confinar o país, caso os números dos contágios e dos internamentos continuem a aumentar, pressionando o Serviço Nacional de Saúde até ao seu limite? Não confinar, acreditando que os cidadãos vão cumprir as regras e, dessa forma, a gestão sanitária fica sustentável, pese embora os números de infetados, internados e falecidos possam ficar altos? Confinar, de forma cirúrgica, criando um mapa descontínuo, onde existem territórios fechados e outros abertos à circulação e à atividade económica e social? Não há uma resposta boa a qualquer uma das questões anteriores.

Sem sabermos como nos vamos livrar desta pandemia, sem conhecermos os resultados de uma eventual vacina que esteja disponível nos próximos meses, sem termos um medicamento que cure esta doença e sem podermos ficar à espera, fechados em casa, que as coisas melhorem, o cenário que temos pela frente é de grande incerteza e algum receio. Nunca, como hoje, nos sentimos tão limitados na nossa liberdade: a que perdemos, devido ao nosso natural retraimento, nos nossos comportamentos; a que nos foi sendo retirada, pela ação dos poderes públicos, em consequência das decisões sanitárias e políticas assumidas nos últimos meses.

Estaremos, todos, caminhando em pleno fio da navalha, tentando chegar ao nosso destino, com o menor dano possível nas nossas vidas.

Aqui chegados, enfrentamos o maior teste, nestes meses de Outubro e Novembro, pois é neste período que ocorrerão movimentos sociais de grande relevância para a situação sanitária: (i) a COVID-19 irá «dialogar» com a Gripe «normal», levando muitas pessoas a procurarem os serviços de saúde, sem saberem a que doenças correspondem os seus sintomas habituais da gripe; (ii) retomar-se-ão, de forma plena, as atividades letivas em todos os ciclos de ensino, com milhões de pessoas a circularem e a concentrarem-se em instituições escolares e nas suas imediações; (iii) ocorrerá um retorno pleno ao trabalho, por parte de milhões de trabalhadores que concluíram os seus períodos de férias e deixaram o regime de teletrabalho em que se encontravam; (iv) o agravamento das condições climáticas favorecerá os ajuntamentos nos interiores dos edifícios e espaços comerciais, bem como o aparecimento de patologias respiratórias próprias deste período do ano.

Estão, pois, todas reunidas, as condições para um provável agravamento das circunstâncias sanitárias e das respetivas consequências nos planos económico e social. Todos sabemos que isto poderá ocorrer e que, de certeza, ocorrerá.

Nestas condições e no próximo ano, o país, as empresas, as instituições e os cidadãos encontrar-se-ão profundamente embrenhados em combater as consequências sanitárias, económicas e sociais da pandemia, numa tentativa de enfrentar e vencer um dos maiores desafios com que já fomos confrontados. Estaremos, todos, caminhando em pleno fio da navalha, tentando chegar ao nosso destino, com o menor dano possível nas nossas vidas.

É este país, nas suas atuais e futuras condições, que deve ser a coordenada política para quem exerce cargos políticos. É este o desafio que estamos a enfrentar e não outro qualquer, decorrente de eventual crise política que ninguém quer, sequer, ouvir falar. É esta a nossa tarefa primordial e não qualquer movimentação no xadrez partidário. É esta a necessidade mais básica de Portugal e dos portugueses e não o resultado de qualquer sondagem ou processo eleitoral, por muito importante que a democracia seja.

Daqui a um ano, em Outubro de 2021, provavelmente, os tempos serão outros e todos esperamos que esta pandemia não passe de uma triste memória ou de uma realidade que, existindo, se conseguiu gerir e incorporar no nosso quotidiano, tal como fizemos, no passado, a outras situações equivalentes. No entanto, nos próximos meses, muitos de nós iremos sofrer muito: porque ficaremos doentes; porque veremos familiares e amigos ficarem doentes; porque perderemos rendimentos; porque ficaremos sem empregos; porque veremos empresas falirem e despedirem os seus colaboradores; porque andaremos todos alarmados com surtos aqui e ali; porque não poderemos abraçar os nossos pais e avós; porque nos observaremos todos de máscaras, não podendo respirar o ar, de forma partilhada, como sempre fizemos…

Vai ficar tudo bem, mas, entretanto, vamos passar mal…

 

Fotografia de Jackson Jost – Unsplash

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.