Passamos a vida a falar de inclusão, por oposição a toda e qualquer forma de exclusão que é, em si mesma, absolutamente condenável. Abominável e intolerável.
Gostava, no entanto, de acrescentar alguns pontos ao pensamento em curso sobre inclusão e começo por sublinhar o próprio verbo. Incluir é o ato de acolher e fazer com que alguém sinta que também faz parte, que pertence e acrescenta valor.
Incluirmo-nos uns aos outros, humanamente falando, devia ser tão natural como respirar. Infelizmente não é. Somos incrivelmente rápidos a julgar e estamos sempre prontos a rotular e a excluir. É-nos difícil calçar os sapatos dos outros, sobretudo quando estranhamos as suas diferenças. Quando alguma coisa neles nos perturba, nos inquieta ou provoca alguma repulsa.
(abro um parêntesis para assumir que me repugna usar a palavra ‘repulsa’, mas é incontornável, por estar na base de atos que geram discriminação e exclusão)
Incluir e tentar ser incluído é uma luta diária, para muitos. Devia ser, para todos sem exceção, uma exigência constante, um imperativo quotidiano, uma causa comum e um propósito incessante. O Papa Francisco sublinhou isto mesmo quando disse ‘todos!’ e nos fez repetir com ele ‘todos, todos, todos!’.
Incluir e tentar ser incluído é uma luta diária, para muitos. Devia ser, para todos sem exceção, uma exigência constante, um imperativo quotidiano, uma causa comum e um propósito incessante. O Papa Francisco sublinhou isto mesmo quando disse ‘todos!’ e nos fez repetir com ele ‘todos, todos, todos!’.
Nesta lógica, a inclusão de que tantas vezes se fala, e está na agenda de todos os políticos do século XXI, é apenas um primeiro passo de um longo caminho. Não podemos apenas incluir, porque a inclusão, por si só, não muda tudo o que precisa de ser mudado, e pode até ser redutora. Uma pessoa incluída pode ser alguém que continua a sentir-se de fora. Tecnicamente foi incluída (podemos estar a falar de uma escola, de um meio social ou contexto profissional), mas se não for bem integrada, se não for valorizada e validada tal como é, de pouco lhe serve ter sido incluída.
Estatisticamente fica bem às empresas e às escolas e universidades incluir, mas por vezes essa inclusão é uma ficção. Uma vez ‘incluídas’, as pessoas são deixadas à sua sorte, entregues às suas dificuldades com a agravante de nem sequer se poderem queixar porque… já foram incluídas.
Conheço vários casos destes: crianças e jovens que foram incluídos em centros, escolas e universidades onde poucos interagem com eles, onde os professores não foram preparados para os ensinar, onde ficam exatamente onde foram deixados por quem os leva e traz, em salas de onde não saem porque não conseguem deslocar-se sozinhos e ninguém os leva ao recreio ou aos espaços onde outros vão sem qualquer dificuldade. São incluídos em organizações e instituições onde faltam apoios, recursos humanos e tecnológicos para os fazer evoluir, para valorizar as suas conquistas, para validar os seus ritmos de aprendizagem e para os fazerem sentir-se verdadeiramente ‘em casa’.
Nas empresas e em contextos profissionais também muitas pessoas se sentem ‘fora’ do seu elemento, seja porque não cumprem os requisitos que outros consideram ‘normais’, seja porque alguma coisa nelas é diferente e inquietante para esses ditos ‘normais’ (outra palavra aberrante, esta).
Ninguém quer ser apenas incluído, insisto. Todos queremos ser valorizados no sentido de sermos reconhecidos pelos nossos talentos e competências, sejam eles quais forem. Acontece que esta valorização só acontece quando abrange a autenticidade de cada um, a sua forma única e irrepetível de ser, o seu potencial de desenvolvimento e a maneira como cada pessoa é capaz de se superar. Mais, só nos sentimos valorizados quando não somos comparados.
Acontece que esta valorização só acontece quando abrange a autenticidade de cada um, a sua forma única e irrepetível de ser, o seu potencial de desenvolvimento e a maneira como cada pessoa é capaz de se superar. Mais, só nos sentimos valorizados quando não somos comparados.
Toda a comparação é perversa, sobretudo quando comparamos pessoas ou deixamos que nos comparem uns aos outros. A única comparação possível e desejável é a de nós, connosco próprios. Posso comparar o meu estado hoje com o de ontem, ou de há uns tempos, posso conferir o meu caminho comparando obstáculos vencidos e atitudes tomadas, posso até comparar as minhas escolhas e opções para comparar resultados e afinar objetivos, mas não me posso comparar a mais ninguém. Nem deixar que me comparem a alguém.
Valorizar passa por não comparar. Por ter um olhar único sobre alguém, reconhecendo as suas forças e fragilidades, valorizando umas e outras de forma que se sinta valorizado/a e possa progredir. Nesta matéria, toda a redundância é necessária e vital: valorizar, para fazermos os outros sentirem-se valorizados.
Assim como ninguém quer apenas sentir-se incluído, também ninguém gosta de ser tolerado. Todos precisamos de ser acolhidos e amados, que são passos muito à frente neste longo e pedregoso caminho da inclusão. Acolhidos e validados nas nossas necessidades, nas nossas vulnerabilidades, nos nossos sonhos, aspirações e medos.
Validar passa por calçar os sapatos dos outros, por nos pormos incessantemente no seu lugar. Validar implica compreender, respeitar, reconhecer a identidade, os valores e princípios, capacidades e incapacidades, mas também a condição, a cultura, o contexto, os estados de alma, os ânimos e desânimos. Validar é tão necessário como valorizar e faz-nos olhar para a inclusão com outros olhos. Validar passa por fazer um esforço para experimentar sentir o que outra pessoa sente. Validar é sermos capazes de ir ao encontro dos que se sentem excluídos, discriminados, esquecidos, pouco acolhidos ou nada valorizados, e ter para com eles gestos que restauram a sua confiança e resgatam a esperança.
Por tudo isto, importa apostar na inclusão tendo em conta a trilogia verbal que implica: valorizar, validar e acolher sem comparar.
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.