No dia 23 de novembro, no congresso do ECNAIS (European Council of National Associations of Indepedente Schools) em Katowice (Polónia), ouvi o neurobiólogo Marek Kaczmarzyk explicar a importância dos neurónios em espelho como mecanismo regulador do comportamento. Explicou porque rimos quando vemos rir, choramos quando vemos chorar. Até aqui nada de muito novo.
Depois, deu mais um passo e mostrou como as crianças “calibram” a sua reacção às coisas do mundo olhando para os pais. Num processo mimético parecido com o dos neurónios em espelho, a criança depois de cair olha para trás para a expressão da mãe e do pai e chora mais ou menos em função do feedback sobre a queda que recebe dos progenitores. Através do mesmo fenómeno, aprendemos a ter medo ou a aceitar tudo o que nos rodeia. Se puxarmos a criança para mais perto de nós quando na rua nos cruzamos com alguém que achamos “duvidoso” a criança sente a mudança, sente o aperto na mão, olha para cima e vê a cara do adulto em modo defensivo. A partir dessa observação, vai calibrar a sua emoção e associar a imagem daquela pessoa (daquele tipo de pessoa) a perigo. É assim que se adquirem os preconceitos sociais e raciais. Não são só os pais. São todos os outros adultos de referência e o grupo de pares. Para mim o mais interessante foi compreender que há um fundamento biológico associado a estes fenómenos de aquisição de um olhar próprio sobre o mundo e os outros.
Para mim o mais interessante foi compreender que há um fundamento biológico associado a estes fenómenos de aquisição de um olhar próprio sobre o mundo e os outros.
O Professor Kaczmarzyk apresentou depois o processo mimético que nos permite viver experiências de vida através de outros. Um mecanismo neuronal que, quando vemos filmes de terror, nos leva a querer fugir quando o extraterrestre vai atrás da personagem principal, a proteger a nossa mão quando o machado vai cortar um dedo ao vilão, a sentir alívio quando a criança consegue escapar.
Finalmente, deu o passo final e apresentou a ligação entre estes mecanismos neuronais e a aquisição de experiências de vida através de experiências não vividas. Isto é, como é que a criança, quando ouve os pais ler histórias, está a desenvolver o seu modo de ver a vida em função da reacção dos pais aos factos e personagens da história. Explicou como ouvir os pais a ler contos tradicionais descritivos da rudeza, violência e injustiça (que também existe no mundo) ajuda a formar o sentido de protecção e justiça como se fossem experiências vividas (pela criança) e interpretadas (pelas reacções dos pais). Explicou que existe um processo biológico subjacente às experiências culturais que as tornam modos de “viver” o que outros viveram, permitindo assim acumular experiências de vida que nos transformam enquanto pessoa.
Enquanto ouvia estas ideias serem expostas, a partir duma perspectiva biológica, fui cruzando-as com o que mais me preocupa neste momento: como podemos melhorar o modo como se educa nas nossas escolas?
Enquanto ouvia estas ideias serem expostas, a partir duma perspectiva biológica, fui cruzando-as com o que mais me preocupa neste momento: como podemos melhorar o modo como se educa nas nossas escolas?
A existência de um processo biológico de mimetismo subjacente à aquisição e calibração dos nossos modos de ver o mundo (e até à interiorização de experiências de vida de outros tornando-as nossas) dá ainda mais importância ao papel do professor enquanto modelo de pessoa em relação com o saber. Isto é, explicar bem a matéria não é irrelevante (embora possa ser, e será certamente, algoritmatizado); mas verdadeiramente importante para o processo educativo, é que o professor seja entusiasmado pelo que ensina. Explicar quais são as regras de comportamento não é irrelevante; mas verdadeiramente importante para o processo educativo é a adesão real do professor a essas regras e a uma gestão justa das mesmas. Relativizar os factos, as ações, as opiniões leva ao relativismo. Sobrevalorizar a regra leva ao formalismo. Só está em condições de educar quem tenha e viva entusiasmo por conhecer, por descobrir. Quem acredite que é possível ultrapassar as nossas limitações e ir mais além. Já dizia o P. Manuel Antunes, que educar é “suscitar dinamismos e inquietações, projetar significações e intencionalidades, contribuir para a busca indefinida […] da liberdade e da verdade […]”.
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.