Nas sombras, arrancar a esperança ao amanhã

Nos momentos da nossa dor, entregamo-nos demasiadas vezes à tormenta, aguardando que esta passe sem mais. O nosso Deus anima-nos a arrancar a esperança à bonança que virá, confirmados pela graça que precede o momento presente.

É-nos complicado manter a alegria no tempo da dor. Quando vivemos momentos de escuridão, mesmo as sombras refrescantes de verão, onde outrora encontrámos descanso, se tornam reinos gelados. E nada queima tanto como o frio.

Quando o sofrimento nos envolve e invade, é comum encontrar-nos perdidos, sem horizonte, sem palavras, sem verbo. O Verbo parece estar fora do nosso alcance. Buscamos consolo em suaves lugares-comuns como “isto passa”, “o tempo cura todas as feridas”, ou “amanhã será melhor”, palavras que, contendo alguma verdade, acabam por não responder à nossa necessidade quando se encontram desenraizadas de um genuíno horizonte de futuro.

Para que estas ganhem carne, é necessário termos raízes fundas na realidade, uma realidade cujo tecido é a bondade de Deus. Também esta afirmação pode parecer vazia, pelo que o melhor é apontar o lugar onde podemos encontrar esta luz: a agonia de Jesus no Jardim das Oliveiras.

A passagem é sobejamente conhecida: depois de comer a Páscoa com os seus amigos, Jesus e os discípulos vão até ao Jardim das Oliveiras entoando salmos. Uma vez aí, Jesus retira-se para rezar. Ele encontra-se numa tristeza mortal, sente-se só e desamparado, sem forças para viver o que está por vir. Após muitas súplicas, Ele diz ao Pai: “Pai, afasta de mim este cálice. Mas não seja feita a minha vontade, mas a tua”.

Uma vez aí, Jesus retira-se para rezar. Ele encontra-se numa tristeza mortal, sente-se só e desamparado, sem forças para viver o que está por vir. Após muitas súplicas, Ele diz ao Pai: “Pai, afasta de mim este cálice. Mas não seja feita a minha vontade, mas a tua”.

Qual é a vontade do Pai? A vontade do Pai é que todos se salvem, sejam plenamente felizes, vivam na liberdade do amor. A vontade do Pai é que o bem vença, que não ceda nem se resigne ao mal, e que os nossos gestos rasguem horizontes de alegria antes inimagináveis.

No meio das nossas noites, deixamo-nos frequentemente envolver pelo frio abraço do mal no mundo. Contudo, o mundo criado por Deus está cheio da bondade divina: o amor, a bondade, é a matéria da qual toda a Criação é feita, como nos recorda o Génesis (“e Deus viu que era bom”). Isto não elimina a sombra, mas recorda-nos a tessitura do planeta e do Universo: um lugar bom, propício à vida, ainda que não em todos os lugares e em todos os momentos, onde há um combate espiritual a travar.

Esse combate cósmico é travado definitivamente na Paixão de Jesus. E é a forma como Jesus vive a sua Paixão que mostra como a sombra irá retroceder diante da luz, de como Jesus, humilhado, agredido, insultado, é um raio de luz que atravessa e fere de morte o pecado do mundo, na forma como fala, como cuida, como consola, como perdoa.

E é a forma como Jesus vive a sua Paixão que mostra como a sombra irá retroceder diante da luz, de como Jesus, humilhado, agredido, insultado, é um raio de luz que atravessa e fere de morte o pecado do mundo, na forma como fala, como cuida, como consola, como perdoa.

Onde é que Jesus encontra as forças para viver, como vive, a sua Paixão? No Jardim das Oliveiras. A oração de confiança de Jesus, ao entregar-se ao Pai, é a forma como Ele arranca a esperança ao que já foi e ao que está por vir. Ele age confiante de que, sendo fiel a quem verdadeiramente é, à matéria da Criação e à sua identidade de Filho, poderá elevar com Ele toda a Humanidade. E esta sua esperança será confirmada na sua Ressurreição. Aliás, vai sendo confirmada nas profissões de fé que vemos ao longo da Paixão, como a do Bom Ladrão e a do centurião junto à cruz.

Assim como, nos relatos da ressurreição, as mulheres ouvem da boca dos anjos que o Senhor os precede na Galileia, também na nossa vida a graça de Deus precede a tormenta. E espera-nos do outro lado da sombra. O nosso Deus não abole as sombras, a dor ou o sofrimento. O nosso Deus é Aquele que traça um itinerário de luz através das sombras, que só a esperança de futuro permite calcorrear, amorosa e generosamente. Vivendo desta forma em Deus, elevamos todo o mundo. Vivemos a salvação e somos seus instrumentos.

Nos momentos da nossa dor, entregamo-nos demasiadas vezes à tormenta, aguardando que esta passe sem mais. O nosso Deus anima-nos a arrancar a esperança à bonança que virá, confirmados pela graça que já precedia o momento presente.

A sabedoria de Cristo, a luz que a sua vida traz às nossas vidas, está em fazer coincidir dois momentos que insistimos em separar, em juntar dois movimentos que nos parecem irreconciliáveis: a graça antes recebida e a graça ainda por acolher; as mãos elevadas para o Céu numa prece e o agarrar da orla do manto de Deus, da graça que está por viver e que podemos trazer até ao presente.

A sabedoria de Cristo, a luz que a sua vida traz às nossas vidas, está em fazer coincidir dois momentos que insistimos em separar, em juntar dois movimentos que nos parecem irreconciliáveis: a graça antes recebida e a graça ainda por acolher; as mãos elevadas para o Céu numa prece e o agarrar da orla do manto de Deus, da graça que está por viver e que podemos trazer até ao presente.

Cada momento de dor é um potencial abismo, no qual podemos tropeçar e cair. Mas o Senhor ressuscitado habita os abismos. Aí O encontraremos, aí encontraremos as suas mãos feridas, apontando com uma o Céu aberto ao qual estamos destinados, e guiando-nos com a outra, suavemente, até ao topo.

É esta a nossa fé. O engano da esperança vazia dissipa-se acreditando, voltando os nossos olhos para o Crucificado que mostra que a cruz não é o destino nem o fim da história: é um pórtico. É uma passagem que, vivida no Senhor, nos leva a lugares de felicidade e paz. Isto só será possível viver com entrega e fé, como Jesus no Jardim das Oliveiras.

Ao vivermos o Tríduo Pascal deste ano, não nos apressemos no Jardim das Oliveiras. Fiquemos com Jesus, e aprendamos dele a esperança que salva o mundo.

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.