Como é que eu, como professor, me relaciono com os meus alunos? Com que tipo de critérios os avalio? Que tipo de feedback ou comentários faço à sua aprendizagem? A que dou mais importância? Como me avalio como educador?
Como é que eu, pai, mãe, encarregado de educação, comento o percurso escolar do meu filho ou filha: preocupo-me apenas com as negativas ou as notas mais baixas, fico ansioso com a média, faço depender o meu sucesso como pai e mãe das suas notas, ou, pelo contrário, valorizo o seu crescimento como um todo?
“Não somos só uma nota. Somos muito mais do que isso e é frequente os professores não considerarem isso no momento da avaliação” – dizia um dos 906 alunos que responderam ao questionário que, no âmbito de uma pós-graduação, apliquei, no ano passado, nos Colégios da Companhia de Jesus em Portugal, aos alunos, aos professores e aos encarregados de educação, sobre o processo de avaliação. Em cerca de 100 comentários dos alunos, esta ideia repete-se, insistentemente, como um grito de Ipiranga: “os professores deviam ligar mais ao desempenho do aluno em aula e não apenas às notas, pois um aluno pode ter capacidades incríveis sem ser reconhecido”.
Em cerca de 100 comentários dos alunos, esta ideia repete-se, insistentemente, como um grito de Ipiranga: “os professores deviam ligar mais ao desempenho do aluno em aula e não apenas às notas, pois um aluno pode ter capacidades incríveis sem ser reconhecido”.
Estamos a chegar ao fim de um segundo período letivo intenso, onde, uma vez mais, por força do ensino a distância (E@D), as escolas se viram obrigadas a um conjunto de cambalhotas pedagógicas: umas para frente, outras para trás e outras que não aconteceram por falta de apoios governamentais. Apesar de todos os males e tragédias pandémicos, há uma certeza que vai silenciosamente crescendo como resposta à crise: temos de rever os nossos estilos de vida. Mas eu iria um pouco mais longe: temos que repensar a missão humanizadora da escola. Não chega avaliar os alunos. A escola, os educadores, os professores também têm de se avaliar, ou melhor, reler as suas experiências, rever os seus procedimentos, repensar as suas estratégias pedagógicas, respondendo à determinante pergunta: somos uma fábrica de profissionais, que darão resposta a um mercado de trabalho e às expectativas ditatoriais da sociedade, ou, pelo contrário, somos lugares humanos que humanizam e ajudam cada pessoa a construir e a desenvolver um projeto de vida?
O conceito inaciano de avaliação, a saber, a reflexão sobre a minha ação e os seus fins, que muitas vezes reduzimos a um elencar de pontos positivos e negativos, sem esquecer os pontos a melhorar, encerra uma sabedoria que vai para lá da mera classificação. Imagine o que seria a vida de uma pessoa que está constantemente a classificar os acontecimentos numa escala de 1 a 5 ou de 1 a 20. Imagine o que seria se transformássemos a nossa vida numa pauta, onde fossem classificadas, de três em três meses, as diversas disciplinas do dia-a-dia (trabalho, amizade, família, etc). A avaliação inaciana, porque integral, propõe-nos uma mudança de paradigma: a passagem do resultado ao processo, isto é, uma reflexão sobre a experiência e não apenas sobre resultados. A forma como alcançamos determinado fim é tão determinante quanto o processo que nos faz chegar até ele. Contra a contrafação de produtos de outros, a avaliação inaciana promove uma releitura profunda sobre o processo de cada um, ajudando a pessoa a apoderar-se do valor infinito da sua experiência – “não é o muito saber que sacia e satisfaz a alma, mas o sentir e gostar das coisas internamente” (Exercícios Espirituais de Santo Inácio de Loyola, n.º 2). Como dizia outro aluno, no mesmo inquérito: “mudaria o facto de avaliação não ser só o nosso comportamento ou aulas mas sim também o nosso processo”.
Voltando à escola. Neste momento, em todos as escolas do país, os professores, depois de uma ponderação cuidada e atenta, estão a classificar os alunos: inúmeros Conselhos de Turma e Conselho de Docentes reúnem-se para refletir sobre as aprendizagens dos alunos, atribuir classificações finais e aprovar a pauta do 2.º período. Paralelamente, em casa, os alunos, depois de terem feito a sua autoavaliação, aguardam, provavelmente, com alguma ansiedade acrescida, as notas e comentários dos professores. As famílias, igualmente desejam a publicação das notas. Todavia, todos sabemos que este período foi diferente, todos conhecemos, em primeira mão, as consequências positivas e negativas do E@D, das dificuldades de acesso à internet, etc.
Talvez este seja o momento tão esperado e mais favorável para repensar integralmente o processo de avaliação: a) centrando-o no desenvolvimento das competências de cada um; b) vendo o erro como um amigo e não como um inimigo, ou seja, como a oportunidade de melhorar e aprender; c) procurando dar a cada aluno, como pessoa, um feedback eficaz da sua aprendizagem; d) estabelecendo um pacto educativo com as famílias.
Como referia um outro aluno em resposta à pergunta “Se pudesses mudar alguma coisa no processo de avaliação o que mudarias?”: “Algo baseado em notas como é óbvio mas também com uma vertente mais social. Os alunos NÃO são números. E o sistema de ensino português acaba por desvalorizar a personalidade de cada um.”
Em suma, a escola, na sua responsabilidade social e humana, sem se substituir à família, através da avaliação, deve ajudar todos os seus alunos, como pessoas, na descoberta de si e das suas capacidades, na construção de um projeto de vida com sentido, evitando reduzir o aluno a um número ou a uma nota.
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.