Há 250 anos, Portugal foi o primeiro país do mundo a abolir a escravatura. Passados 170 anos, estava a ser aprovado o direito de sufrágio às mulheres, e em 1982 a violência doméstica era criminalizada.
Todas estas conquistas começaram por ser um conjunto de sonhos individuais, depois um sonho coletivo, uma causa e uma luta, até se tornarem a realidade do nosso dia-a-dia. Até aqui chegarmos, muitas pessoas batalharam para que a sua visão do mundo fosse partilhada por todos. A sua clarividência e paixão perseveraram ao longo de décadas de divisões, dúvidas, e discussões. Devemos-lhes, ao dia de hoje, o inquestionável direito à liberdade, ao voto e à segurança, e aqueles que sugerirem o contrário serão tomados por loucos.
O modo de estar da sociedade atual tende a ver o presente e o novo como a única fonte de verdade, ignorando e invalidando tudo o que vem de trás e que nos foi transmitido pelas gerações anteriores. Esta pretensão de que o conhecimento começa e termina na nossa geração é uma ilusão que pode resultar em retrocessos ou em progressos que acontecem antes do seu tempo, antes da sociedade estar preparada.
Por outro lado, o atraso de outras mudanças continua a causar dor e sofrimento em tanta gente a uma escala global. Há batalhas travadas há demasiados anos, em que cada conquista sabe a ‘finalmente’. Estamos agradecidos pelas revoluções sociais que os nossos antecessores realizaram. No entanto, o sentimento em relação às do nosso tempo não é o mesmo. E é natural, a mudança assusta. Não sabemos o que vem a seguir, nem onde vai terminar. Vivemos confortáveis com o status quo e tomamo-lo como verdade universal, pois é o melhor que conhecemos aos dias de hoje.
Nunca saberei de que lado da discussão eu estaria há 100 anos, mas posso imaginar que as minhas bisavós tenham levado o seu tempo a compreender porque era tão importante que participassem ativamente no debate político. Tal como milhões de outras mulheres, também elas começaram por ser meras observadoras da luta pelo voto feminino.
Se procurarmos genuinamente perceber a motivação daqueles que anseiam a mudança, estaremos numa melhor posição para saber distinguir os visionários, dos precoces, dos loucos; evitando desacelerar o passo dos que estão efetivamente a construir um mundo melhor e colocando as questões certas aos restantes.
O mais natural é sermos avessos à mudança, mas esta posição não deve ser cega pois esta passividade coletiva que se arrasta durantes os anos que precedem cada mudança social tem um custo incomensurável. Já foram dados enormes passos na construção da justiça social, mas o mundo está longe de ser o que precisamos que seja. É possível e é urgente mudar. Há milhões de pessoas a fazê-lo todos os dias por todo o mundo. E se esses não formos nós, da nossa parte merecem pelo menos que façamos o exercício de tentar perceber de onde partem, que procuremos “escrupulosamente não rir, não chorar, nem detestar as ações humanas, mas entendê-las” (Baruch Espinosa, 1677).
Quando aí chegarmos, ainda que não saibamos estar no comando desse navio, ficaremos orgulhosos por saber que o Martin Luther King, a Beatriz Ângelo e o Nelson Mandela do nosso tempo existem e estão a dedicar a vida a causas tão nobres e urgentes como as que lemos nos livros de História.
No passado Domingo, dia 24, um total de 125 pessoas, incluindo padres, trabalhadores e voluntários na Igreja Católica lançaram um manifesto pedindo à Igreja que assuma a sua responsabilidade na luta pelos direitos humanos das pessoas LGBTQI+ e que em todo o mundo sejam eliminadas todas as formas de discriminação, a começar por dentro da própria Igreja.
Em Portugal, as relações homossexuais foram despenalizadas com a revisão do Código Penal de 1983 e, em 2005, a Constituição estabeleceu a igualdade e a não discriminação em função da orientação sexual.
Se este não nos for um tema particularmente próximo, poderemos pensar que a defesa da igualdade de direitos das pessoas LGBTQI+ já não é uma luta de 2022. Contudo, quando, na União Europeia, 40% das pessoas LGBTQI+ admitem já ter-se sentido discriminadas, fica claro que estamos perante um problema social premente que suplica pela nossa empatia.
Se procurarmos genuinamente perceber a motivação daqueles que anseiam a mudança, estaremos numa melhor posição para saber distinguir os visionários, dos precoces, dos loucos; evitando desacelerar o passo dos que estão efetivamente a construir um mundo melhor e colocando as questões certas aos restantes. A realidade como a conhecemos irá inevitavelmente desaparecer. O que está por definir é o que a irá substituir e quando, é se servirá verdadeiramente a Humanidade e se ficará nos livros de História ao lado das grandes conquistas das gerações passadas que nos orgulham.
Fotografia de Priscilla Du Preez – Unsplash
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.