Livros infantis (mas pouco)

Os livros para a infância não são obrigatoriamente infantis nem as histórias e linguagem simples têm de ser simplistas ou, pior, simplórias. E há para aí muita coisa boa para ler.

Aprendi um dia que não se deve dizer “livros infantis” mas sim “livros para a infância”. Até a questão ser colocada, nunca tinha pensado nisso sequer durante um segundo, mas uma vez enunciada, faz todo o sentido. Os livros mais adequados para crianças não são necessariamente infantis. Clarinho que nem água.

Aliás, o mesmo acontece com os filmes de animação, talvez por diferentes motivos. As grandes produtoras e os seus argumentistas preocupam-se com os adultos que acompanham as crianças ao cinema. E com os jovens adultos que cresceram a cantar as músicas da Disney. Há uma série de camadas nestas produções cinematográficas – entre referências culturais, cómicos de linguagem e outros recursos – que piscam o olho a várias idades.

Mas voltemos aos livros para a infância e juventude. Aprecio bastante o Plano Nacional de Leitura (PNL), pelo que significa de importância atribuída à leitura, pelas iniciativas que na sua esteira acontecem e pelo pretexto e suporte que dá aos professores. Por causa de um trabalho para Português de um dos meus filhos, li recentemente uma obra aconselhada no PNL. Confesso que estava um bocado desconfiada. Entre as centenas de livros recomendados, a minha opção recairia instintivamente no já conhecido. No ano do centenário do nascimento de Sophia de Mello Breyner, parecia-me muito adequado (e altamente desejável|) escolher um dos textos que nos deixou. Mas a escolha recaiu sobre outra obra “Salta Bart”, de Susanna Tammaro. Apesar da desconfiança, fiz-me às páginas e não é que foi bom? Há frangas que falam, um mestre de kung-fu, dragões (um ingrediente que parece quase omnipresente nos livros para a juventude) e um certo maniqueísmo. Mas e sobretudo sobre a amizade, sobre o mal que o mal nos faz, sobre as possibilidades de redenção e sobre vencer os medos. E tem camadas para adultos (no bom sentido do termo).

Há neste universo da literatura para a infância e juventude uma produção de títulos que será sem precedentes (digo “será” porque não tenho dados estatísticos, mas baseio-me no empirismo da visita assídua de muitos anos a esta secção nas livrarias. Entre mundos fantásticos, adolescentes vampiros e diários de futilidades, há pérolas mesmo preciosas. Nunca achei que vale tudo e é preciso é que as criancinhas leiam. Sobretudo quando há tanta coisa boa para desbravar. Começando pelos livros dirigidos à mais tenra idade (sempre com camadas). Há três editoras de que gosto particularmente – quase tudo o que dão à estampa é de uma qualidade (temática, de escrita, ilustração, criatividade) surpreendente. A Kalandraka, projeto galego com duas dezenas de anos que já arrecadou vários prémios de mérito cultural, com obras traduzida em várias línguas. A ter de escolher um livro para ilustrar o que digo, escolheria “Avós”.  A Orfeu Negro publica na coleção Orfeu Mini vários autores portugueses e estrangeiros muito bem selecionados. Aconselho o delicioso “O dia em que os lápis desistiram”. E ainda a Planeta Tangerina, que venceu em 2013 o Prémio BOP para “Melhor Editora Infantil Europeia”. Gosto particularmente do livro “As duas estradas”.

Ler alto, ler baixo, acompanhado ou sozinho. Ler, mas não ler qualquer coisa: a vida é demasiado curta para livros que não acrescentem nada.

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.