Aproximam-se as eleições que interessam em Portugal. No dia 6 de outubro teremos de selecionar o grupo de deputados que escolherá o próximo governo. Impõem-se alguns pensamentos sobre o nosso voto.
O meu voto não deve ser determinado de forma simplista. Podemos ter a tentação de simplificar a decisão de voto, dando força a ideias e prioridades que não aprovamos.
Por exemplo, o Bloco de Esquerda propõe incluir as creches no sistema educativo, garantido a sua gratuitidade. A ideia até me poderia parecer boa e poderia merecer o meu voto. No entanto, sei quais são as preferências do Bloco de Esquerda para outras áreas essenciais da política nacional como a saúde, a economia ou as relações internacionais? É necessário ter uma visão geral amadurecida, e não ficar apenas pelas particularidades. Caso contrário acabaremos a levar gato por lebre.
Este ponto é particularmente importante para nós, católicos: demasiadas vezes temos a tentação de nos preocuparmos apenas com alguns pontos particulares (e.g. aborto ou eutanásia), esquecendo os outros pontos sobre os quais a Igreja também tem ensinamentos importantes. Temos o dever de não nos limitarmos a estes temas e escolher considerando a globalidade da proposta.
O meu voto não deve ser ingénuo. Não há purezas na política e avaliações de carácter excessivas deixar-nos-ão apenas com as mãos vazias e sem escolhas. Mas devemos escolher também tendo em conta a frontalidade e a transparência das pessoas que elegemos.
Os partidos e os seus representantes devem dizer ao que vêm; nós temos a obrigação de atribuir credibilidade ao que eles anunciam. António Costa dissimulou no passado ao não anunciar possíveis coligações pós-eleitorais à sua esquerda. Rui Rio dissimulou quando prometeu um banho de ética, e escolheu não renovar o partido. O Bloco de Esquerda dissimula agora ao anunciar-se como social-democrata, enquanto propõe nacionalizar a ANA aeroportos, os CTT, a REN, a EDP, a GALP e toda a banca. Que outras dissimulações podemos esperar de quem já dissimulou antes?
O meu voto deve ser livre. A probabilidade de um voto mudar a eleição de algum deputado é ínfima. Somos apenas um entre milhares (sendo que, como bem explicou o João Manuel, sj, nem todos os votos valem o mesmo).
Este pensamento pode desincentivar alguns a votar; no entanto, a reduzida importância de cada voto em particular deixa-nos votar em plena liberdade: se o meu voto individual não é fulcral, então não faz sentido pensar em “voto útil”. Por outras palavras, posso votar sem medo das consequências estratégicas do meu voto, já que elas não existem. Por exemplo, não é por o PSD ter mais ou menos um voto individual que alguma coisa vai mudar. Se me revejo mais nas propostas do CDS, devo então votar nesse partido, sem preocupações de influência no resultado final. O impacto marginal de um voto dá liberdade para escolher as propostas em que mais acredito.
O meu voto não esgota a minha ação política. Dado que um voto individual não é suficiente para influenciar o resultado final, se quero ter alguma intervenção política, então tenho de pensar em grupos. O impacto que temos na vida política será tanto maior quantas mais pessoas conseguirmos mobilizar para a nossa visão. Podemos começar por recomeçar a falar de política cara-a-cara. Largar o ruído dos sítios onde só encontraremos pessoas já arregimentadas, e ir ao encontro de pessoas e grupos indecisos ou indiferentes. É aí que se ganha espaço na política.
Para fechar, ficam dois desejos:
1. Que sejam eleitos deputados de partidos que ainda não têm assento parlamentar. Prefiro um parlamento com mais Livre e menos Bloco de Esquerda (ou PS), com mais Iniciativa Liberal e menos CDS (ou PSD).
2. Que a esquerda parlamentar não aumente significativamente a sua expressão. As últimas sondagens indicam que a esquerda ganhará as eleições. Não sendo essa a minha área política, não me posso sentir satisfeito, mas é assim o jogo democrático. No entanto, existe a possibilidade de os resultados permitirem deputados suficientes para uma revisão constitucional sem o contributo da direita (PSD, CDS ou outros). Creio que um desequilíbrio político desta magnitude seria indesejável por não refletir o país. Seria bom conhecer o plano do PS para esta contingência.
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.