Isaías: eu gostava era de trabalhar

Como é possível uma instituição de educação continuar assim insensível e a alimentar este “paleio escolar” inconsequente durante tantos anos? Para quem é que falam estes DT? É profundamente ridículo!

A escola só fala, não ouve. Esta é a história do Isaías, um aluno que foi reprovado cinco vezes no 6º ano, numa escola que se proclama obrigatória e que é muito violenta, incapaz de se adequar diante de cada cidadão e re-agir. Ouvir a voz da escola e a voz do aluno dá que pensar.

“Sou o Isaías, tenho três irmãos mais velhos. Comecei a escola no ano 2005/06 e fiz a escola primária nas calmas. Passei sempre, sem problemas. Depois fui para uma escola básica e secundária e começaram os problemas. Descambei.”

A voz da escola

No 4º ano, a “apreciação global” feita a meio do ano dizia: “O Isaías, neste período, foi um aluno mais apático e desinteressado. Por esta razão, o seu sucesso foi inferior ao que no passado conseguiu”. No final do ano, a mesma “apreciação global” dizia: “O Isaías adquiriu as competências mínimas pretendidas para o final do 1º ciclo. No próximo ano terá de ser muito mais aplicado, trabalhador e estudioso. Se for um aluno empenhado que mostrou ser em anos anteriores, terá decerto melhores resultados”.

O dito “próximo ano” foi feito noutra escola. O alerta estava lançado e escrito, mas nada de concreto foi sugerido em torno do que fazer e como e com quem. Tem de ser muito mais aplicado, trabalhador e estudioso e empenhado quer dizer o quê e a quem?

No ano seguinte, o 5º da sua escolaridade, transitou com duas negativas, a História e a Matemática. A sua “apreciação global” do ano foi esta: “O Isaías continua a revelar comportamentos irregulares, falta de atenção, de concentração e de estudo”. Mais nada. E entrou no 6º ano. E que é que aconteceu para contrariar essas constatações de comportamentos irregulares e de faltas de? Nada. Reprovou. E não reprovou apenas, reprovou a tudo, exceto a Educação Física. No mesmo ciclo de estudos, de um ano para o outro, na mesma escola, passou de dois níveis negativos para todos, exceto Educação Física!

A escola só fala, não ouve. Esta é a história do Isaías, um aluno que foi reprovado cinco vezes no 6º ano, numa escola que se proclama obrigatória e que é muito violenta, incapaz de se adequar diante de cada cidadão e re-agir. Ouvir a voz da escola e a voz do aluno dá que pensar.

Joaquim Azevedo

No ano letivo seguinte, uma vez reprovado a quase tudo, qualquer cidadão esperaria de uma instituição fiável de educação uma mudança séria de procedimentos, métodos, matérias de estudo e trabalho diário. Não, quando se pensaria que poderia vir a “recuperar”, reprovou de novo no 6º ano.  A escola fez um “plano de acompanhamento”. Reprovou com níveis negativos a História, Matemática e Inglês. Nesse ano, a sua diretora de turma regista ”no ano letivo transato, o Isaías fazia parte de um turma com problemas de comportamento, apresentando algumas participações, com saídas da sala de aula. Este ano letivo integra uma turma onde existem situações de muita perturbação de trabalho. Usa vocabulário impróprio, levanta-se do seu lugar e ofende os colegas (insultar, bater nos colegas), assobia, atira objetos (papéis, pedras). (…) Quando chamado à atenção pelos professores responde de forma desrespeitosa e com alguma rebeldia, não gostando de ser contrariado”.

Ou seja, a escola integra-o em “turmas com problemas”! No fim deste ano letivo muda de escola, por conveniência da família. É de novo reprovado, com três níveis negativos (as duas do costume e agora Ciências Naturais) e uma apreciação global deste teor: “aluno pouco interessado e de comportamento irregular. Revela poucos hábitos de estudo/trabalho. (…)”. Foi elaborado um novo “plano de recuperação” para o ano seguinte.

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Frequenta de novo o 6º ano, pela quarta vez.. A meio deste ano, a escola diz “O Isaías não trabalha nem deixa trabalhar.

Frequenta de novo o 6º ano, pela quarta vez.. A meio deste ano, a escola diz “O Isaías não trabalha nem deixa trabalhar. Revela um total desinteresse pelas disciplinas. Não tem material e está sempre distraído e a conversar. Não realiza nada na sala de aula e perturba a mesma”. Um relatório do diretor de turma deste ano diz que “cumpriu um dia de suspensão na sequência de 16 repreensões escritas e de 12 ordens de saída da sala de aula”. Reprova de novo.

No ano seguinte, frequenta pela quinta vez o 6º ano, nesta mesma escola. E finalmente, a escola faz algo diferente: o aluno integrou uma turma de percurso curricular alternativo-PCA. Este curso continha como áreas de formação: Jardinagem, Restauro e Conservação, Oficina de Ambiente e Cidadania. Continua a ter muitas faltas. Em dezembro é suspenso por dois dias. A PSP abre um processo por roubo na escola. A CPCJ esteve na escola duas vezes com o aluno. Em março é suspenso por dois dias. Em maio é suspenso por três dias. A escalada é brutal.

É fabuloso e demasiado triste! E… é aprovado! Passa com reprovação a Inglês e, espante-se, a Educação Física. E nunca mais foi à escola!

Joaquim Azevedo

O diretor de turma do PCA escreve a seguinte apreciação global, ao fim de cinco anos no 6º ano de escolaridade: “ O Isaías não aproveita as capacidades que tem. Poderia render muito mais e ter um percurso escolar muito mais condizente com as suas reais capacidades. Ultrapassou, sem grande esforço, algumas dificuldades que lhe foram colocadas a nível curricular. No futuro DEVE empenhar-se muito mais e ambicionar mais objectivos.”

É fabuloso e demasiado triste! E… é aprovado! Passa com reprovação a Inglês e, espante-se, a Educação Física. E nunca mais foi à escola!

Como é possível uma instituição de educação continuar assim insensível e a alimentar este “paleio escolar” inconsequente durante tantos anos? Para quem é que falam estes DT? É profundamente ridículo!

A voz do Isaías

“No início, gostava da escola, havia os amigos, andar no recreio, e tudo, as aulas eram mais calmas. Era mais fácil. Também é as primeiras coisas que nós aprendemos. Eu dava-me bem com a professora, por acaso. Era só uma stora que dava as aulas todas, está-se bem. Depois fui para uma escola no 5º ano e correu bem. Depois aí descambei. Fiquei cinco anos no 6º. Cinco anos não é brincadeira. Reprovava por faltas, comportamento também, os amigos, também. Comecei a conhecer gente nova, asneiras de miúdos. E aconteceu, faltava muito, quase não ia às aulas e reprovei. As aulas também não me diziam muito. Por isso é que faltava. Era a matéria. Quando você não gosta daquela matéria, estar ali a levar com aquilo não é nada bom. Não gostava de nenhuma. Física (educação física) é tudo na boa. Eu ia à escola, mas chegava à escola e não ia às aulas. Ficava cá fora. Brincadeiras de miúdos, depois fui avançando e foi sempre a reprovar, já não estava a ligar para aquilo, estava noutra onda e ainda bem que passei no último ano. Os meus professores olhavam para mim… o meu DT do último ano disse que gostava de mim, que eu era inteligente. Só que era a minha cena, portava-me mal. Mas nunca saí da escola. Sempre a andar na escola todos os anos.

Vale a pena pensar nisto seriamente e verificar o que temos de fazer, em cada sítio, de concreto, se queremos abandonar esta instituição tão trituradora e violenta, tão pateticamente cheia de boas intenções e que ata uma mó a tantos adolescentes como o Isaías, em nome da lei.

Joaquim Azevedo

Houve professores que falaram comigo, que diziam que podia ser diferente, que eu conseguia, que tinha possibilidades para isso, que tinha inteligência, só que eu não metia isso na minha cabeça. Fui à psicóloga mas, fazia asneiras, ia lá, na minha cabeça, a psicóloga lixava-me. Só isso. Era sempre a mesma coisa, a mesma escola, as mesmas pessoas, as mesmas aulas. Tudo. Os professores já variava de ano para ano, mas o resto era tudo sempre igual. Era muito tempo fechado dentro de uma sala, hora e meia de aula. Quando era de 50 minutos aguentava mais, fazíamos mais intervalos. Passava uma aula, tínhamos um intervalinho de 10  minutos, era melhor do que hora e meia dentro da sala. Era tudo igual. Também nunca fui muito de gostar da escola. Mas tem que ser… .  No fim fiz o PCA  e isso eu curti. Não fazíamos muita coisa, estávamos sempre a trabalhar. Também éramos poucos, só 5. Eu gostava era de trabalhar. Mas na escola não há trabalho. Gostava de EVT, porque também curto desenhar. Isso gostava. Se houvesse uma oficina, cozinha, estávamos ali a fazer as coisas, eu curtia essa experiência”.

Vale a pena pensar nisto seriamente e verificar o que temos de fazer, em cada sítio, de concreto, se queremos abandonar esta instituição tão trituradora e violenta, tão pateticamente cheia de boas intenções e que ata uma mó a tantos adolescentes como o Isaías, em nome da lei.

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.