Inclusão e eficiência: a escola entre o humano e o produtivo

O maior dilema que se coloca hoje às escolas e educadores: arriscar dar uma educação personalizada a todos e a cada aluno. Mas o desafio não é só das escolas e dos professores. É de toda a sociedade.

Deve estar por semanas a publicação do decreto-lei que revê o regime das necessidades educativas especiais em meio educativo. É a anunciada revisão do Decreto-lei 3/2008. Tanto quanto já se sabe, deixamos de ter um regime jurídico para os alunos com necessidades educativas especiais (direitos dos alunos portadores de alguma deficiência e instrumentos ao dispor da escola para os apoiar) para ter um regime jurídico da escola inclusiva (direito de cada aluno ser atendido nas suas necessidades educativas especiais e instrumentos ao dispor da escola par apoiar cada um). Voltarei a este tema, controverso, após a publicação do diploma. Antes de conhecermos o regime em concreto, convém lançar a reflexão sobre os dilemas que a escola vive quando tenta equilibrar eficiência educativa e inclusão social.

Parece claro que a escola do futuro será organizada de formas muito diferentes. Mas a escola do presente é feita de alunos organizados em turmas e professores organizados por disciplinas. Um dia de aulas é assim como uma peça de teatro, organizada em vários atos, com atores e textos que se sucedem, sempre perante o mesmo público, mas com pouca ligação entre eles. No final, os atores fazem perguntas aos espectadores sobre o texto e aqueles que de entre estes souberem as respostas passam para a temporada seguinte. Há espectadores muito atentos e que gostam de teatro que absorvem cada palavra dos atores e que no final sabem responder às perguntas todas. Outros não gostam de teatro, ou enfastiam-se rapidamente e no final não se lembram de nenhuma das cenas. Há atores que gesticulam mais ou que declamam melhor, outros são mais monocórdicos ou têm um texto mais desinteressante para a plateia. Mas no final da peça o que importa é que os espectadores, os alunos, saibam responder às perguntas dos atores, os professores.

Cada ator preparou as suas falas com muito cuidado para que a sua peça caiba no tempo que tem de palco. E para que isso funcione, é necessário que a plateia esteja atenta e sossegada para não perturbar a representação. Fora do teatro toda a gente comenta o que se passa lá dentro. Os pais dos espectadores, os guionistas, as escolas de atores, os donos de teatros e todos os outros que, apesar de nunca terem pensado muito sobre o que lá se passa foram em tempo espectadores.

E toda esta gente, ou pelo menos a maioria, acha que o teatro é tanto melhor quantos mais espectadores saibam as respostas certas às perguntas dos atores no final de cada temporada.

E tudo vai funcionando; ou foi, até que alguém se lembrou de ir ver se todos os espectadores estavam a usufruir da peça. E percebeu-se que não. Alguns alunos simplesmente não estão a acompanhar o que se passa na escola. Há espectadores que estão a passar ao lado da peça. Uns porque não ouvem o que se passa no palco, outros porque não vêem, outros porque não conseguem estar quietos e precisavam era de estar em cena. Outros ainda porque precisam de atos mais curtos; outros porque precisam de ler mais do que ouvir. Há os que já perceberam o fim da história quando esta ainda vai a meio e aqueles que precisam de ouvir a história três vezes antes de a compreender. Por fim há ainda os que acham o guião sem sentido e o escreveriam de outra forma. Mas o ator, coitado, que até já sabe isto há muito tempo, não sabe como resolver o problema. Passa a falar mais devagar e não chega ao fim das falas? Salta algumas partes do texto que são mais complicadas? Inclui uma dança na representação? Chama espectadores ao palco? Deixa de lhes fazer perguntas no fim da temporada?

A grande questão que se coloca ao professor é que para dar uma atenção personalizada aos alunos que não “cabem” nesta peça, pode estar a dar menos atenção aos outros e até, o seu maior pavor, acabar o ano sem “dar toda a matéria”. E, se não “der” a matéria toda, vai ter de ouvir o guionista, os outros atores, os pais dos espetadores. Mais; suprema medida do arriscado que é não “atirar” a matéria toda do palco para a plateia, se baixarem as notas nos exames podem dizer que a culpa é dele…

Este é o maior dilema que se coloca hoje às escolas e educadores (católicos): arriscar dar uma educação personalizada a todos e a cada aluno. Mas o desafio não é só, nem principalmente, das escolas e dos professores. É de toda a sociedade. Uma ideia eficientista da educação cria uma cultura utilitarista que transforma a escola numa fábrica de respondedores a perguntas. Num mundo que muda a uma velocidade crescente, num “ecossistema” económico 4.0, os pais e as escolas têm medo do futuro dos seus jovens e as lógicas da empregabilidade tomam conta da sala de aula.

Uma escola inclusiva e personalizada é mais exigente e difícil do que uma escola que prepara para exames. Mas esta é a medida e a razão de ser da Educação. Como diz a sabedoria popular: se queres ir rápido vai sozinho; se queres ir longe vai acompanhado. Estamos disponíveis para ir mais devagar mas mais longe?

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.