Chegou ao fim o Ano Europeu do Património Cultural – 2018. Importa tirar lições para o futuro, uma vez que é indispensável que a atenção e o cuidado relativamente ao que recebemos das gerações que nos antecederam têm de ser salvaguardadas de um modo inequívoco. Daí a preocupação com o envolvimento dos mais jovens, das escolas, das famílias e das comunidades, numa palavra, de todos. Importa reforçar os elos entre países diferentes, aprofundando e alargando iniciativas de mobilidade, como o ERASMUS, numa perspetiva inovadora, na qual as escolas deverão dar atenção, simultaneamente, a elementos do património material ou imaterial local ou próximo, bem como do património cultural de outros países e sociedades, em nome de património, herança e memória comuns ou de um verdadeiro diálogo entre diferentes culturas. A ideia de diversidade, de intercâmbio e de enriquecimento mútuo é fundamental – para que os outros e os diferentes possam fazer parte de uma cidadania inclusiva, culta, aberta e disponível.
Assim a defesa do património cultural tem de se integrar na concretização da coesão económica e social, da sustentabilidade e do desenvolvimento humano. Assim, devemos compreender a prioridade dada à cultura, como integradora da educação e da ciência, como realidade dinâmica e humanista. Recorde-se o que diz a Convenção de Faro do Conselho da Europa sobre o valor do Património Cultural na Sociedade Contemporânea (de 2005): «O património cultural constitui um conjunto de recursos herdados do passado que as pessoas identificam, independentemente do regime de propriedade dos bens, como um reflexo e expressão dos seus valores, crenças, saberes e tradições em permanente evolução e inclui todos os aspetos do meio ambiente resultantes da interação entre as pessoas e os lugares através do tempo» (artigo 2º, alínea a). Eis por que devemos assumir uma atitude humanista, para a qual a criação cultural e a salvaguarda do que recebemos do passado e devemos enriquecer têm de se assumir como prioridade de exigência e de qualidade.
Quando os Professores Maria Mota e José Pedro Serra se interrogaram sobre as fronteiras entre as Ciências, as Humanidades e as Artes, puderam demonstrar que as fronteiras do saber são ténues e vão sofrendo alterações.
Quando na Conferência Internacional da Fundação Gulbenkian deste ano sobre o tema “A Ciência na Sociedade Atual – Novos Públicos e Novas Questões”, o Professor Pedro Gil Ferreira nos recordava o percurso difícil de Albert Einstein na apresentação dos resultados das suas investigações e na demonstração dos seus efeitos práticos, que só o tempo veio a revelar, pôs a tónica nos mistérios do conhecimento. Foi de património cultural no seu sentido mais rico que nos falou. Do mesmo modo, quando os Professores Maria Mota e José Pedro Serra se interrogaram sobre as fronteiras entre as Ciências, as Humanidades e as Artes, puderam demonstrar que as fronteiras do saber são ténues e vão sofrendo alterações. É a aprendizagem permanente que está em causa. São domínios que se alimentam e enriquecem em contacto uns com os outros. A compreensão do papel de Aquiles na “Ilíada”, a paixão do cientista empenhado em aprofundar uma determinada investigação ou descoberta, a capacidade criadora de um artista ou de um filósofo articulam-se necessariamente no mundo do conhecimento. E o Professor Henrique Leitão, comissário da iniciativa, pôde deixar evidente para quantos participaram na mesma, que o diálogo entre saberes marca decisivamente as Ciências e as Humanidades, sem esquecer as suas especificidades e as diferenças. Não esqueço a influência decisiva em muitos de nós de Rómulo de Carvalho, cientista e poeta, para quem o rigor e a ironia, o conhecimento e compreensão andam sempre de mãos dadas. E não esqueço que no laboratório de Física do Liceu Pedro Nunes estava também a imagem de Leibniz, cultor genial de saberes vários…
O património cultural tem múltiplas componentes: monumentos, museus, edifícios históricos, arquivos, bibliotecas, referências artísticas e arqueológicas – o património material -, tradições, costumes, línguas e dialetos, romanceiros, artesanato, música e danças, relações interculturais – o património imaterial -, mas ainda o património natural, o meio ambiente, as paisagens, o património digital, e a criação contemporânea… Eis por que razão temos de fazer um inventário rigoroso do que tem valor patrimonial, a fim de que saibamos exatamente as prioridades relativamente ao que devemos preservar e proteger, não deixando ao abandono! Como se compreende, estamos muito para além de uma visão limitada de Humanidades. Urge pôr a pessoa humana no centro das nossas preocupações! Antero de Quental perguntava: será possível viver sem ideias? Por isso, longe da ideia de um acervo fechado e passadista temos de cuidar de uma perspetiva ampla da cultura, que pressupõe a aprendizagem, o conhecimento científico e o saber lidar com a técnica e a tecnologia, enquanto instrumentos que permitam assegurar o respeito pleno pelos fins, ou seja, pela dignidade da pessoa humana, pedra angular das Humanidades.
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.