O Yassir e o Ali deviam ter entre 10 e 12 anos quando chegaram à Grécia, em 2018. Vieram os dois da Síria, cada um com os seus pais e irmãos, fugidos da guerra e com a esperança de conseguir asilo na Europa. Os dois gostam de jogar futebol, mas o que verdadeiramente os apaixona é fazer construções com legos. São capazes de passar tardes inteiras a brincar. Fazem aviões, barcos, monstros, criam cidades, guerras… E, no fim, é difícil convencê-los a arrumar.
Não há dúvidas de que estas duas crianças têm muito em comum. Tinham tudo para se tornarem bons amigos. No entanto, o facto de não partilharem a mesma etnia é suficiente para que não se olhem nos olhos.
Não há dúvidas de que estas duas crianças têm muito em comum. Tinham tudo para se tornarem bons amigos. No entanto, o facto de não partilharem a mesma etnia é suficiente para que não se olhem nos olhos. O Yassir nasceu numa família árabe e o Ali numa família curda. Se lhes perguntarmos porque não podem brincar juntos, não vão saber dar a resposta. Talvez seja por isso que, em algum momento de uma certa tarde, a ideia de juntar as coleções de legos para fazer uma construção ainda maior falou mais alto. Ignoraram tudo o que lhes tinha sido ensinado sobre o outro povo e deram mais importância ao que os unia.
Provavelmente cresceram a ouvir falar do povo vizinho como sendo inimigo, agressivo e criminoso. Estes adjetivos até podem ser adequados para descrever indivíduos. Contudo, quando descrevem grupos, passam a constituir estereótipos.
Provavelmente cresceram a ouvir falar do povo vizinho como sendo inimigo, agressivo e criminoso. Estes adjetivos até podem ser adequados para descrever indivíduos. Contudo, quando descrevem grupos, passam a constituir estereótipos, pois criam a ideia de que todas as pessoas que nele se inserem partilham as mesmas características.
Muitos estereótipos são negativos, tal como assumir que uma pessoa é violenta. Outros são positivos, como assumir que uma pessoa é talentosa, generosa ou inteligente. Outros são neutros. Mas são todos perigosos – levam-nos a tratar o outro apenas como um membro de um grupo, moldando a forma como o percecionamos, como interagimos e como tomamos decisões.
A história do Yassir e do Ali pode levar-nos a pensar apenas em estereótipos culturais ou raciais, mas a verdade é que o nosso dia-a-dia está repleto de exemplos igualmente divisivos. É muito mais fácil para o cérebro rotular as pessoas com base na informação que já tem – seja ela certa ou errada – do que estar disposto a formular uma ideia do zero. E então arrumamos as pessoas em gavetas tão aleatórias como o nome que têm, a roupa que vestem e os meios que frequentam. No final do dia, temos opiniões fechadas sobre os valores e atitudes de determinada pessoa, sem na verdade nunca termos tido uma conversa que as fundamente. E assim vamos alimentando a cultura do “nós” versus “eles” que é a causa de tantos conflitos.
O que define as nossas ações são as nossas motivações e estas não assentam em verdades absolutas, mas naquilo que nós julgamos ser verdade. Se o primeiro passo é despertar, o segundo é dar resposta.
O que define as nossas ações são as nossas motivações e estas não assentam em verdades absolutas, mas naquilo que nós julgamos ser verdade. Se o primeiro passo é despertar, o segundo é dar resposta. De forma a mudarmos aquilo que são as nossas ações inconscientes, importa desafiar o que temos como as nossas verdades. Combater estereótipos passa por fomentar a mentalidade do “nós”, criando empatia e percebendo de onde é que o outro verdadeiramente parte, conhecendo os pensamentos, os sentimentos, e as experiências que constituem a sua perspetiva do mundo.
A empatia tem o poder de revolucionar as relações pessoais. E pode ser cultivada! Não nos é atribuída à nascença de forma aleatória, mas é influenciada pelo nosso ambiente e pode até ser desenvolvida como qualquer competência. Praticamos a empatia sempre que dialogamos com quem tem opinião, estilo, gosto, cor, morada, ou idade diferente da nossa.
O Ali foi ensinado a odiar o povo árabe, mas acaba por ser enganado pela sua própria mente quando tenta forçar esse ódio contra o seu novo amigo que lhe dá muito poucas razões para que não goste dele. Se a empatia tem o poder de revolucionar as relações pessoais, uma a uma, então a empatia coletiva é o recurso mais valioso que a humanidade tem.
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.