Desde a última semana, anda a passar numa conhecida estação de rádio um anúncio cujo slogan é “há mais ajuda para as instituições sociais”. Este anúncio dá a conhecer mais um programa de apoio financeiro a instituições do terceiro setor.
Não tenho dados que me permitam afirmar se, efetivamente, há mais ajuda (financeira, entenda-se) para as instituições sociais atualmente do que há uns anos atrás, mas que essa ajuda está muito mais organizada, disso não há dúvida e ainda bem.
Há 20 anos atrás, quando iniciei a minha atividade profissional na área social, não era expectável que o meu trabalho passasse, também, pela candidatura a programas de apoio, pela procura de linhas de financiamento ou pela apresentação de propostas de projetos a prémios ou patrocínios, como faço hoje em dia. Na lógica do mercado de trabalho da altura a expectativa era (e foi o que aconteceu durante alguns anos) trabalhar numa organização fazendo o apoio social e receber um vencimento ao final no mês, sem grandes preocupações pela viabilidade e sustentabilidade financeira da instituição.
A maioria das instituições sociais na época dependiam unicamente do apoio do Estado ou da Igreja e até certo ponto fazia sentido que assim fosse porque essas instituições substituíam e complementavam o papel do Estado em muitas áreas. Atualmente esta é, ainda, a realidade. O Estado reconhecendo, que as organizações do terceiro setor têm um papel indiscutível, nas áreas social e solidária, atribui-lhes um apoio financeiro do Estado. É a lógica da cooperação social em Portugal, que todos os anos, desde 1996, é traduzida no Compromisso de Cooperação para o Sector Social e Solidário.
O que acontece é que, sendo esse apoio imprescindível este é muitas vezes insuficiente. Veja-se o caso da educação pré-escolar. Havendo acordo de cooperação entre o Estado e um Jardim de Infância da rede social e solidária, o Estado financia a instituição com cerca de 175€ mensais por cada criança a frequentar essa resposta social. O custo real da criança depende de instituição para instituição porque é apurado tendo em conta o quociente do total das despesas imputadas à resposta social pelo número de crianças que a frequentam. Se esse valor for, por exemplo, de 305€, ficam por cobrir 130€/mês por criança que se supõe sejam suportados pelas famílias. Acontece que as possibilidades de comparticipação das famílias são variáveis, dependendo dos seus rendimentos, das suas despesas e do número de pessoas que compõem o agregado familiar e, muitas vezes, não chegam para perfazer esse valor.
Na lógica da solidariedade social, quem tem mais rendimentos tem uma comparticipação familiar mais elevada (no máximo até ao custo real da criança), o que permite compensar as comparticipações mais baixas por parte das famílias com menores recursos. Não obstante, recorrentemente, especialmente em instituições sediadas em territórios de maior exclusão e índices de pobreza, a média de comparticipação das famílias não chega para cobrir a diferença do custo real da criança para o valor do apoio estatal. Neste sentido, sem outras formas de financiamento, as instituições não conseguem fazer face a todas as despesas. Por isso, é muito bom ouvir na rádio que há mais (um) apoio para as IPSS.
Face a esta realidade as instituições têm de procurar outras formas de sustentabilidade e, nesse caso, a sociedade civil tem um papel preponderante. O que difere de há uns anos para cá é que este apoio da sociedade civil está muito mais organizado e estruturado.
As fontes de financiamento das organizações para além desta cooperação com o Estado são, hoje em dia, muitas e assumem vários modelos. Há prémios, programas, linhas de financiamento. Há candidaturas bastante complexas, outras mais simples. Há financiamentos decorrentes de fundos comunitários, de empresas, fundações ou outras organizações.
Desta forma é importante que os financiadores vão ao terreno, conheçam as instituições e que estas tenham sempre as suas portas abertas para todos os que quiserem conhecer efetivamente o trabalho que fazem.
Este apoio mais organizado obriga as instituições a estruturar o trabalho que fazem e isso é, sem dúvida, um aspeto muito positivo. É sempre preciso perceber qual a motivação que está por detrás do apoio que o financiador está a promover e, embora por vezes a sua lógica e linguagem não sejam fáceis e imediatas para as entidades do terceiro setor, estes processos vieram criar uma dinâmica diferente nas instituições, de tal forma que algumas já têm pessoas dedicadas apenas à angariação de fundos.
Os critérios de seleção para estes apoios são rigorosos e baseiam-se, essencialmente, no impacto social gerado e no grau de inovação da intervenção em causa. O objetivo é, na maioria das vezes, promover novas formas de fazer ação social, testando novos modelos de intervenção, inovadores, criativos e com soluções diferenciadas para os problemas sociais existentes. Do meu ponto de vista, isto é muito positivo uma vez que obriga as instituições a repensar e a questionar sempre a sua forma de atuação e a posicionar-se com um olhar novo, ou pelo menos diferente, face à realidade em constante mudança.
Existem, no entanto, dois efeitos colaterais destas formas de financiamento a que devemos todos estar atentos. Por um lado, no que respeita às organizações, há que cuidar que não façam destas candidaturas o cerne do seu trabalho, pois, a certa altura, o tempo despendido na procura destes apoios é tanto que se descura a verdadeira missão da organização, parecendo que os meios têm mais importância que os próprios fins. Por outro lado, da parte do financiador o perigo é cingirem-se só à capacidade das organizações de preencherem formulários de candidatura adequadamente, de redigirem corretamente objetivos e de apresentarem orçamentos bem detalhados sem olharem às pessoas concretas e à intervenção efetiva que é realizada. Desta forma é importante que os financiadores vão ao terreno, conheçam as instituições e que estas tenham sempre as suas portas abertas para todos os que quiserem conhecer efetivamente o trabalho que fazem.
Apesar das vantagens acima descritas de um apoio mais organizado e estruturado, continua a ser indispensável o apoio espontâneo de empresas e particulares.
Para além destes financiamentos, maioritariamente traduzidos em apoio financeiro não reembolsável, nos últimos anos as instituições sociais têm encontrado uma nova forma de sustentabilidade nos chamados negócios sociais.
Nestes negócios, promovidos por instituições não lucrativas com vista a dar solução a um problema social, o lucro gerado na venda de produtos e/ou serviços a clientes comuns permite apoiar clientes financeiramente mais frágeis ou financiar a atividade da própria organização. Encontramos já negócios sociais em várias áreas como a engomadoria, jardinagem, take away, programas de férias escolares, organização de festas de aniversário, costura, tipografia, catering, etc.
Apesar das vantagens acima descritas de um apoio mais organizado e estruturado, continua a ser indispensável o apoio espontâneo de empresas e particulares. Apoio esse que se traduz, muitas vezes, numa contribuição pecuniária mas também em donativos de géneros, que acabam por gerar uma poupança às instituições ou diretamente às famílias mais carenciadas. Outras vezes, o apoio é em forma de tempo, e tanto haveria a dizer sobre o trabalho dos voluntários nas organizações sociais. São verdadeiramente imprescindíveis.
Portugal é um país solidário, reconheço com gratidão todos os gestos que vejo diariamente de várias pessoas e empresas em favor daqueles que menos têm e encorajo a quem não o faz que o possa fazer (de preferência enquadrado por uma organização) até porque tal como diz Santa Teresa de Calcutá, “nem todos nós podemos fazer grandes coisas, mas podemos fazer pequenas coisas com muito amor”.
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.