Nos últimos tempos o debate na área da educação centrou-se na questão de o Estado dever, ou não, reconhecer o direito de objecção de consciência dos pais em matéria de educação escolar quando estiverem em causa questões de consciência individual. Não se trata de abolir a disciplina de cidadania e desenvolvimento – parece-me pouco razoável. Argumentar que na escola não pode haver educação para valores pessoais e sociais integrada nas disciplinas tradicionais ou em disciplina autónoma – não se trata de permitir aos pais que os seus filhos não sejam educados para os valores que partilhamos nesta nossa sociedade humanista, democrática e plural – somos uma sociedade personalista mas não somos uma sociedade individualista – nem se trata, para os do outro lado da discussão, de defender que os filhos têm de ser educados “para fora” dos valores da sua família – reconhecemos que os pais são os primeiros educadores dos filhos. Haverá pessoas radicais nos dois lados do debate, mas são uma minoria. E, numa sociedade livre, podem e devem expressar a sua opinião. O que me levou à liça neste debate (subscrevendo o manifesto pela objecção de consciência) é a posição do Estado. Quando um cidadão se revolta contra o Estado (sem que esteja em causa prejuízo para ninguém) e este lhe impõe a sua força estou sempre do lado do cidadão. Penso que os pais de Braga não têm razão ao opor-se que os filhos frequentem por completo a disciplina de cidadania e desenvolvimento. Mas penso que se trata de crianças que estão a receber uma educação completa e que a intervenção do Estado é desproporcional, desadequada e sem sentido. Estas crianças estão a aprender mais sobre vivência cidadã com esta luta dos seus pais por aquilo em que acreditam do que muitos dos seus colegas nas aulas de CD (os próprios conceitos de disciplina e aula aplicados a CD apontam para um caminho estranho).
É um tema importante. Raramente se discute em Portugal esta tensão entre educação estatal e valores. Mas temo que este debate faça perder o foco de questões essenciais para uma melhoria substancial do serviço educativo prestado aos nossos jovens
É um tema importante. Raramente se discute em Portugal esta tensão entre educação estatal e valores. Mas temo que este debate faça perder o foco de questões essenciais para uma melhoria substancial do serviço educativo prestado aos nossos jovens. Os últimos anos foram marcados por um impulso curricular muito importante. As escolas portuguesas têm hoje larga margem de autonomia para agirem como lhes parecer melhor para que os seus alunos aprendam. Isto é muito bom. Mas todos perceberam já que essa autonomia curricular precisa para ser frutuosa de uma equipa educativa coesa, articulada, competente e motivada. Há escolas onde isto é assim. Mas há um número excessivo onde não é. Onde as equipas educativas não são coesas, ou não estão articuladas ou não são competentes ou não estão motivadas. E isto é um problema grave, com que convivemos há décadas e em relação ao qual não foi dado nenhum passo para o resolver. Embora haja três propostas que são constantemente avançadas como o modo de o resolver. Para que os alunos passem a aprender mais e melhor temos de (1) aumentar os salários dos professores – para tornar a carreira mais atrativa e combater a dramática escassez de professores que estamos já a viver –, (2) diminuir o seu horário lectivo – para que tenham mais tempo para estudar e porque ensinar é uma tarefa muito desgastante – e (3) diminuir o número de alunos por turma – para que os professores possam dar uma atenção mais individualizada a cada aluno. Cada uma destas propostas é muito razoável. Todas fazem muito sentido. O que não é razoável e não faz sentido é serem apresentadas em conjunto como se houvesse alguma hipótese do Orçamento de Estado ou as famílias suportarem os custos brutais daí decorrentes. Para alguma destas medidas serem implementadas (criando um aumento de custos), é necessário que outras evoluam no sentido contrário (criando uma diminuição de custos).
“Four main factors influence expenditure per student: the teachers’ gross actual salary (main factor of expenditure), teachers’ teaching time (according to public regulations), students’ instruction time (according to public regulations) and, finally, the average class size. Per student expenditure is an increasing function of the teachers’ salary and of the students’ instruction time; it is a decreasing function of the teachers’ teaching time and of the average class size” (Education in Europe: Key Figures https://www.education.gouv.fr/media/21764/download).
Este parágrafo inicial do relatório sobre educação do Governo Francês contém uma evidência económica que os nossos estudiosos da reforma da escola teimam em ignorar: o custo de educar um aluno depende de 4 fatores principais – o vencimento dos docentes, o tempo de trabalho de cada docente, o tempo de aulas a que os alunos têm direito e o número de alunos por turma. Ou seja, ao mexermos num destes factores vamos ter um aumento ou diminuição da despesa pública (e privada) em educação e Portugal continua a ser um país pobre. Isto parece óbvio. Mais do que isso, parece que deveria estar presente em todas as discussões sobre a melhoria da educação em Portugal. Contudo, é tema nunca debatido nos círculos educativos (com exceção de duas ou três economistas que se têm esforçado por trazer o assunto para o debate académico mas, infelizmente, sem grande sucesso).
O sistema educativo português não está a contribuir para a quebra de ciclos de pobreza nem para o aumento da excelência. E não há soluções mágicas.
A melhoria dos resultados escolares dos nossos alunos está umbilicalmente ligada à melhoria das equipas educativas. Para lá da publicidade Governativa (de vários governos) sobre a melhoria dos resultados dos nossos alunos nas provas internacionais (melhorámos mas muito pouco, por vezes dentro da margem de erro das provas), a verdade é que o número de alunos com muito maus resultados melhorou ligeiramente mas o número de alunos com resultados médios ou bons está estagnado há muito tempo. O sistema educativo português não está a contribuir para a quebra de ciclos de pobreza nem para o aumento da excelência. E não há soluções mágicas. Precisamos de encontrar maneira de ter cada vez mais professores competentes, motivados e a trabalhar em equipa. São estas equipas que vão encontrar as soluções para cada caso e contexto. Há muitos factores externos à escola que ajudam ou desajudam o trabalho dos professores. Mas há muito a ser feito internamente. Para que a aprendizagem dos alunos melhore é necessário que melhore a ensinagem.
A melhoria da educação em Portugal está assim, penso eu, presa a questões de natureza laboral. Queremos que os melhores sejam professores, queremos que se sintam motivados e queremos que trabalhem em equipa. E queremos tudo isto em Portugal, o que significa que não temos (muito) mais dinheiro. Isto é um desafio. Para trazer os melhores para o ensino e mante-los numa escola não há dúvidas que temos de oferecer uma perspectiva de carreira mais aliciante (e baseada no mérito). Para os bons há sempre alternativas e não podemos ficar apenas com os que nasceram com o sonho de ser professor. Mas a despesa com salários pode representar 70% dos custos de uma escola pelo que não é realista pensar que podemos alterar radicalmente a carreira. Geralmente a discussão acaba aqui e fica tudo igual. O que me proponho de seguida é mostrar que pode ser diferente. Podemos pagar aos professores portugueses tanto quanto ganham os alemães. Mas, para isso, é preciso que também o número de horas de leccionação, o número de alunos por turma e/ou o número de horas de lecionação que os alunos recebem mudem.
Olhemos para alguns números apresentados no relatório acima referido:
Os professores alemães têm salários bastante superiores à média europeia (recordo que os valores são em ppp). Mas trabalham mais 13% de horas letivas e têm turmas com mais alunos (14%). O resultado é que, embora tenham salários 64% superiores aos dos seus colegas, os custos salariais para o Estado, por cada 100.00 alunos, são apenas superiores em 29%. Ou seja, porque trabalham mais horas e com mais alunos, os docentes alemães têm uma carreira mais competitiva do que a de muitos dos seus colegas europeus.
Em Portugal, os docentes das escolas públicas estatais leccionam 648 horas anuais ou menos (por força das reduções letivas) e a média de alunos por turma é de 21.
Precisamos de olhar para a situação docente em Portugal. A melhoria da escola depende disso. Mas a questão não é pagar mais; é pagar melhor.
O autor escreve de acordo com o anterior acordo ortográfico.
Fotografia de: AC Almelor – Unsplash
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.