Desde o início que os Colégios da Companhia de Jesus foram pensados com fins apostólicos, para educar e guiar os alunos a serem pessoas de carácter bem formado (Constituições da Companhia de Jesus, §307). Porque os jesuítas sempre quiseram que os seus alunos fossem homens e mulheres interessados pela promoção do bem comum e da justiça social, o fim da educação nos seus colégios nunca foi simplesmente a transmissão de conteúdos, mas sobretudo a capacidade de esforço e desenvolvimento integral da pessoa. Este processo exige o exercício de bons hábitos e o desenvolvimento de virtudes, não só as próprias de cada aluno, mas aqueles valores inspirados pelo exemplo dos próprios jesuítas e dos leigos que veem a educação como uma missão.
Para os que se identificam com a espiritualidade inaciana, o processo de crescimento humano tem como primeiro modelo Jesus Cristo e, por isso mesmo, é essencial conhecê-lo pessoalmente para o poder imitar, seguir, amar e servir (verbos usados por S. Inácio de Loyola nos Exercícios Espirituais). Isto quer dizer que crescer no sentido de uma consciência bem formada é crescer em relação com o próprio Jesus. Assim sendo, o modo de acompanhar pessoas na formação da sua consciência é muito mais exigente que simplesmente seguir uma série de regras. Trata-se de aprender a escutar a pessoa que está diante de nós e prestar atenção ao seu contexto, à sua história, ao que a alegra e ao que são as suas dores.
Os alunos dos Colégios da Companhia, como qualquer adolescente, são cidadãos do mundo e para o mundo, capazes de tomar decisões. E são tão mais autónomos e responsáveis quanto mais o aprendam através do exemplo dos adultos a quem é confiada a sua educação. Na exortação apostólica sobre a família, Amoris Laetitia, o Papa Francisco diz que “o fortalecimento da vontade e a repetição de determinadas ações constroem a conduta moral; mas, sem a repetição consciente, livre e elogiada de determinados comportamentos bons, nunca se chega a educar tal conduta” (AL §266). Cabe aos educadores estimular nos alunos a repetição desses bons hábitos, sendo eles próprios os primeiros a dar exemplo pela sua conduta.
Para S. Inácio, a formação do carácter não depende exclusivamente da educação formal, mas do exemplo de outros e da educação informal: das conversas e do cuidado por parte dos educadores, da sua empatia e do trabalho honesto entre eles.
Deste modo, num Colégio da Companhia, o conteúdo das matérias propostas deve ser cuidadosamente selecionado e ensinado, ao mesmo tempo que se faz uma proposta clara e explícita de crescer na fé e abertura ao transcendente. Conhecimento intelectual e afetivo vão, assim, a par na educação dos alunos. Para isto, também os educadores devem ser sujeitos a formação permanente, para melhor puderem servir a missão com que se comprometeram. A importância desta relação educador-aluno, commumente conhecida em linguagem inaciana como cura personalis, a atenção por cada pessoa na sua realidade concreta, foi expressada com clareza pela Comissão Internacional do Apostolado da Educação da Companhia de Jesus, em 1986, num documento fundamental da pedagogia inaciana:
“Crescer no uso responsável da liberdade é facilitado pela relação pessoal entre aluno e educador. Educadores e administradores, tanto jesuítas como leigos, são mais do que guias académicos. Estão envolvidos na vida dos estudantes, mostrando um interesse pessoal no desenvolvimento intelectual, afetivo, moral e espiritual de cada aluno, ajudando cada um a desenvolver um sentido de autoestima e a tornar-se uma pessoa responsável na comunidade (…) Estes adultos tentam viver de uma forma que ofereça um exemplo para os alunos, estando dispostos a partilhar as suas próprias experiências de vida. A cura personalis (o cuidado de cada pessoa) continua a ser uma característica básica da educação inaciana” (Características da Educação Jesuíta, §43).
É evidente que nem alunos nem colaboradores dos Colégios da Companhia são obrigados a viver uma relação pessoal de fé em Jesus Cristo, sob qualquer forma de proselitismo mascarado. Contudo, a pedagogia inaciana está centrada em Jesus Cristo, o que quer dizer que a instituição deve fazer claros os seus valores aos colaboradores, famílias e alunos e não deixar de os propor. Ter Jesus no centro significa que Deus cria o ser humano, por amor, para ser feliz nesta vida e que cada ser humano está chamado a ser cooperador de Deus nesse projeto, vivendo por amor a si próprio e aos outros, como Jesus viveu e ensinou. A antropologia própria da identidade inaciana é profundamente positiva, pelo que ser criado é visto como um dom que cada um recebe e desfruta do melhor modo possível. Crescer num Colégio da Companhia, por isso, deve incentivar os alunos a conhecer os seus talentos e a desejar pô-los ao serviço uns dos outros e da sociedade em geral.
Por isso mesmo, para S. Inácio, a formação do carácter não depende exclusivamente da educação formal, mas do exemplo de outros e da educação informal: das conversas e do cuidado por parte dos educadores, da sua empatia e do trabalho honesto entre eles. Tanto as Constituições (§446) como a Ratio Studiorum (§75) refletem a preocupação de Inácio, de que os educadores fossem verdadeiros modelos de virtude. Isso mesmo disse numa carta de 1547 aos jesuítas de Coimbra: “Sejam os primeiros modelos de virtude, para que os alunos vos possam imitar. Se querem que eles sejam perfeitos, comecem vocês primeiro por ser perfeitos”.
É isto que faz da missão de educar num Colégio da Companhia um trabalho de amor que não é só formação, mas verdadeira transformação, uma conversão aos valores do Evangelho que, inevitavelmente, abre a pessoa aos outros e ao mundo.
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.