Espelho meu, espelho meu, quem avalia melhor do que eu?

O rigor, a justiça e os critérios que usamos para avaliar o processo de desenvolvimento integral dos alunos devem ser os mesmos que usamos para avaliar a nossa ação como educadores.

Temos medo da balança, mas adoramos o espelho. Temos medo da balança, não por causa da praia que se aproxima, mas porque temos receio de ser avaliados, de ser pesados ou julgados pelos nossos atos. Adoramos o espelho, porque adormece o nosso espírito autocrítico, esconde os nossos defeitos e projeta-nos num mundo perfeito onde o ego é a medida de todas as coisas.

Nas escolas, é tempo de usar a balança (de classificar, de pesar e de medir) e de usar o espelho (de examinar, de avaliar e de refletir). Nos conselhos de turma de final de ano, é exigido aos professores rigor e justiça na avaliação sumativa. Nas provas nacionais de exame, espera-se que o aluno certifique as suas aprendizagens e se prepare para o futuro da sua vida académica.

Quando usamos a balança, seja de pratos, de fio ou eletrónica, pressupomos uma escala de medida ou um peso de comparação, havendo o perigo de nos centrarmos excessivamente nos resultados e ignorar o processo e a sua finalidade. Uma avaliação exclusivamente centrada nos resultados, que tende a ignorar o processo e os fins, é uma avaliação desequilibrada, pois ignora a complexidade da vida humana e tende a ser injusta. Quando o professor atribui o mesmo nível classificativo a dois alunos, não está a dizer que ambos valem o mesmo, mas, pressupondo o caminho percorrido ao longo do ano, está simultaneamente a dar feedback do seu processo de ensino-aprendizagem e a avaliar a forma como os acompanhou no seu desenvolvimento integral. Como escrevia o Padre Kolvenbach sj, antigo Geral dos Jesuítas, num artigo de 2007, sobre a “Cura Personalis”[1]: “Os educadores e os professores devem ter consciência de que o exemplo da sua vida pessoal contribui mais para a formação dos alunos do que as suas palavras. Estes alunos devem amá-los conhecendo-os pessoalmente – “cura personalis” – vivendo com eles uma familiaridade respeitosa. Este conhecimento pessoal deve permitir adaptar os tempos, os programas e os métodos escolares às necessidades de cada aluno.” Tanto a Portaria 223-A (2018) como Portaria 226-A (2018) transparecem uma visão holística do processo de ensino-aprendizagem, referindo que os critérios de avaliação devem conter uma referência específica às áreas de competências inscritas no Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória (2017), a par das Aprendizagens Essenciais. Como pedagogos, quando diariamente, nos diversos espaços da escola ou na sala de aula, nos relacionamos com os alunos, não estamos apenas a cumprir uma função, mascarados de um personagem que despimos ao sair pelos portões; estamos a criar possibilidades de futuro e a ajudar seres humanos a serem cada vez mais humanos, tendo como finalidade um conjunto de Princípios e Valores. O rigor, a justiça e os critérios que usamos para avaliar o processo de desenvolvimento integral dos alunos devem ser os mesmos que usamos para medir a nossa ação como educadores, sem nunca perder de vista o fim último de tudo aquilo que fazemos: a busca do bem comum e a transformação do mundo.

Quando usamos o espelho, seja de rosto, de corpo inteiro ou de decoração, tudo depende de onde concentramos a nossa atenção e do nosso estado de ânimo, havendo o perigo de não sabermos interpretar o que vemos ou de vermos o que lá não está. O espelho mostra-nos sempre uma imagem invertida do que somos e a projeção dos nossos desejos e frustrações. A forma como avaliamos, como interpretamos e lemos a nossa experiência, determina a forma como vivemos e como reagimos aos acontecimentos. Neste exercício hermenêutico de escuta da realidade, para não ceder às tentações e enganos do espelho é necessário cultivar uma atitude de liberdade interior e de humildade: não ceder aos maus conselhos do cansaço, não se deixar dominar por orgulhos feridos ou penaltis atrasados, reconhecer os próprios erros e virtudes, agradecer o sucesso dos outros, não viver da busca do aplauso, saber ouvir e interpretar o que o outro comunica, respeitar a diferença e personalidade de cada um. A avaliação, vendo para além dos resultados e dos reflexos do próprio ego, como exercício de contemplação, pode libertar os educadores da superficialidade do placebo positivo-negativo, ajudando-os a redescobrir as raízes da sua vocação como dom.

O verdadeiro descanso não surge apenas da mudança de rotinas e de dias distendidos de ócio, mas também do silêncio, da paz interior e, sobretudo, da gratidão. Embalados pelo canto dos pinheiros, pela luz doirada do pôr do sol ou pelo baile das ondas, contemplemos a balança da vida: Espelho meu, espelho meu, como educador o que transpareço eu?

 

 

Referências:

[1] https://www.sjweb.info/documents/cis/pdfspanish/200711402sp.pdf.

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.