Entre o acessório e o essencial… Para onde educamos?

Esta conversa familiar voltou-me a lembrar um pensamento que tem vindo a ganhar força com o tempo: educamos tanto para o acessório e tão pouco para o essencial.

Assim, do nada, ao jantar, o membro mais novo da família diz:

– Onde o Zorro vive são pobres.

A conversa desenrola-se, envolvendo as restantes pessoas à mesa:

– Nem todos são pobres. O Zorro não é pobre…

– Mas ele tira aos ricos para dar aos pobres.

– Então ele é ladrão? (os olhos do mais novo arregalam-se).

– Não, ele tira aos ricos aquilo que eles antes roubaram aos pobres.

– Mas ele é rico…

– Mas a avó dele é índia… E ele finge que não sabe fazer nada para não desconfiarem que ele é o Zorro.

– E os soldados são ricos?

– Não. Mas também não são pobres…

– Mas, então, porque é que fazem mal aos pobres?

– Porque querem ser ricos.

– E o sargento Garcia? Esse é engraçado…

– Mas também faz mal aos pobres.

– Mas ele não tem outra opção; é soldado. Se desobedece é preso e fica pobre…

– Pois… E achas que é melhor estar preso e ser pobre ou fazer mal a outras pessoas?

– Mas ele não quer fazer mal às pessoas.

– Mas faz…

– Então, o sargento Garcia é um mau tolinho! – remata, com um sorriso, a conversa quem a começou.

Esta conversa familiar voltou-me a lembrar um pensamento que tem vindo a ganhar força com o tempo: educamos tanto para o acessório e tão pouco para o essencial.

Gastamos imenso tempo e energia a (procurar) educar tendo por foco coisas que, na verdade, são acessórias, efémeras e superficiais. Desgastamo-nos, por vezes quase até à exaustão, com questões que, no fim, não são assim tão importantes. Em contrapartida, acabamos por dedicar muito pouco tempo e energia a falar, contar, discutir, educar para o essencial, para o que está verdadeiramente na base, na profundidade, para o que permanece depois (e apesar) de tudo.

É como se a maioria dos nossos processos educativos – não só na escola e em outros ambientes específicos de aprendizagem, mas também naqueles que acontecem a partir das nossas relações quotidianas, como é o caso da família e amigos – estivessem centrados quase sempre em pequenas partes visíveis de um jardim, raramente promovendo uma visão mais alargada e se debruçando sobre a harmonia (ou falta dela) entre essas várias partes e com aquilo que as rodeia e com elas interage; muito raramente conseguindo olhar e ver o jardim como um todo e quase nunca abordando e tomando consciência daquilo que não se vê – as raízes, o solo, a terra que tudo acolhe e sustenta.

Não sei se é próprio desta época ou se terá sido sempre assim – sinceramente, acho isso pouco relevante – mas, aqui e agora, considero necessário e urgente dedicarmos o nosso tempo, força e energia a provocar e ser parte de processos educativos com foco neste essencial, trabalhando a sua consciência, o seu questionamento e (re)descoberta.

Talvez se assim fosse não tivéssemos, neste preciso momento, tantas pessoas em tantas diferentes partes do mundo a deixarem-se manipular e a deixarem-se levar pela besta da desumanização: quer enveredando por caminhos de violência (e incoerência) numa busca por se libertarem de caminhos e decisões de terceiros que sentem como opressoras e injustas; quer (acima de tudo), tal como o sargento Garcia nas crónicas do Zorro, reprimindo, violentando, assassinando porque, supostamente, não têm outra opção e a isso são obrigados pelas ordens que recebem de terceiros.

Onde o Zorro vive são pobres… Ótima oportunidade para se falar do acessório e do essencial, do que é efémero e do que permanece.

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.