Educar para a interioridade

Podemos proporcionar às crianças e jovens um contacto acompanhado com toda a riqueza do seu mundo interior, ajudando-os a compreendê-lo, a dar-lhe sentido e a integrar essa dimensão no seu crescimento pessoal.

Vivemos hoje num mundo e numa sociedade que favorece e, até, cultiva a dispersão. Somos submetidos a uma quantidade de estímulos diários, que dificultam uma experiência integrada da própria realidade. Desde a publicidade ao mundo digital, a nossa atenção vai sendo atraída para múltiplas direções, através de estímulos tão distintos, que pedem uma prática constante de vigilância. Esta cultura potencia enormes possibilidades de aprendizagens; porém, coloca-nos reféns de uma tendência constante de viver na superficialidade, nas opiniões pouco aprofundadas e precipitadas e num tratamento dos temas sem o tempo necessário para ir ao fundo da sua verdade.

Porque a busca de sentido e a integração da pessoa são uma necessidade de todo o ser humano, vão surgindo movimentos sociais e propostas que vêm contrariar esta tendência. O já famoso mindfulness oferece ferramentas e técnicas de consciencialização do que se passa no nosso interior. Para tal, utiliza métodos de concentração, de silêncio, permitindo saborear a experiência interior na pessoa. O yoga busca praticamente os mesmos objetivos, através de exercícios corporais e respiratórios que conduzem à calma interior. As mais diversas espiritualidades emergentes revelam igualmente esta demanda por um regresso ao interior da pessoa.

As crianças e os jovens do nosso tempo sofrem igualmente os efeitos desta vida apressada e do ritmo diário estonteante, que produz neles o mesmo fenómeno de dispersão interior. Muitos deles nem se dão conta das divisões e contradições das quais são vítimas. Naturalmente que a educação, também ela embebida na cultura do seu tempo, demonstra alguns sinais desta dispersão. Se, por um lado, a educação é chamada a contrariar este movimento social, por ouro lado, ela mesma é vítima da própria cultura. A sobrecarga de matérias, a sobreocupação do tempo, a exigência de memorização e tantos outros fenómenos presentes na cultura escolar de hoje, tornam o processo de aprendizagem numa experiência penosa para os alunos. Vão aumentando os casos de hiperatividade, as dificuldades na concentração, o recurso à memória de curto prazo para responder à avaliação, a superficialidade nas aprendizagens, assistindo-se a um autêntico desajuste da organização escolar às reais necessidades dos jovens.

A interioridade não se reduz a um intimismo solipsista, mas abre-nos à relação com o outro, à sensibilidade e compaixão com o sofrimento dos que sofrem, despertando o desejo de uma maior solidariedade e partilha.

Como tentativa de resposta a estes fenómenos, tem surgido uma nova tendência na educação, a qual dá pelo nome de educação para a interioridade. No âmbito da pedagogia inaciana, podemos perguntar-nos que pessoa desejamos formar, capaz de intervir na transformação positiva do mundo onde irá trabalhar. O enfoque está na construção do projeto de felicidade, que encontra um sentido para a própria vida, educando a subjectividade da pessoa para o seu crescimento no autoconhecimento, no saber e nas competências sociais e relacionais. Nesta perspetiva, a educação engloba necessariamente o corpo, o pensamento, os sentimentos, as sensações, as emoções e todos os demais movimentos interiores. No fundo, temos que atender à educação da forma como cada pessoa recebe o mundo exterior no seu próprio mundo interior, ajudando a um processo progressivo de assimilação de toda a realidade no seu projeto de vida. Descobre-se, então, a necessidade de olhar ao mundo da consciência pessoal, como o encontro mais interior do nosso ser e como a realidade que vivemos ressoa dentro de nós.

A dimensão interior da pessoa humana é uma dimensão antropológica fundamental, que deve ser atendida e educada. Aqui, envolvem-se naturalmente as áreas da psicologia, pedagogia e pastoral, as quais, em perfeita harmonia, vão ajudando a um desenvolvimento interior, na construção da felicidade. Tratamos do mundo da alma, do mais íntimo da pessoa, não numa perspetiva narcisística que se preocupa apenas com a autossatisfação, com o “sentir-se bem”, mas numa passagem do superficial para o mais profundo do ser humano, aí onde a pessoa se emociona, se admira e contempla, onde toma decisões e se assumem responsabilidades. As idades mais jovens são as mais propícias para o início da educação e desenvolvimento da interioridade.

O que se pode alcançar com a educação para a interioridade? Desde logo, proporcionar às crianças e jovens um contacto acompanhado com toda a riqueza do seu mundo interior, ajudando-os a compreendê-lo, a dar-lhe sentido e a integrar essa dimensão no seu crescimento pessoal. Permite uma gestão cuidada das emoções, sabendo dar-lhes a importância que tem como indicadores da nossa sensibilidade. Favorece a aquisição de aprendizagens significativas, as quais serão de grande valor quando integradas nos saberes anteriormente adquiridos, conferindo-lhes maior profundidade. A interioridade pode ainda tornar-se uma dimensão integradora da pessoa, abrindo-a à diversidade do mundo e dos outros, criando um maior respeito pela diferença nos rapazes e raparigas da própria idade.

Numa perspetiva cristã, busca-se o desenvolvimento da capacidade de refletir, de discernir e de amar. A interioridade não se reduz a um intimismo solipsista, mas abre-nos à relação com o outro, à sensibilidade e compaixão com o sofrimento dos que sofrem, despertando o desejo de uma maior solidariedade e partilha.

Finalmente, este descentramento pessoal, desperta a novidade de um Outro que nos ama e nos habita, permitindo a descoberta do próprio infinito dentro de nós. Abre a possibilidade de relação com Deus, que toca o interior da pessoa e se comunica a ela. Conduz-nos à verdadeira alteridade e ao mistério do transcendente. Aí se pode descobrir uma fonte de sentido e unificação interior. A interioridade possibilita então a dimensão espiritual, a qual abarca a totalidade da experiência humana e a busca de sentido.

No processo educativo, podem e devem proporcionar-se experiências de silêncio, as quais colocam a pessoa em contacto com o seu mundo interior. A par com as aulas e demais atividades escolares, devem prever-se momentos de autorreflexão, oferecendo as condições propícias para este caminho de exploração da interioridade pessoal. O Exame inaciano pode ser um método adequado para uma avaliação pessoal do impacto que as nossas experiências têm no nosso crescimento e as respostas que damos às mesmas experiências.

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.