Esta semana, fez primeira página de alguns jornais um relatório da OCDE com um título sugestivo: “Equilibrando Liberdade de Escolha de Escola e Equidade”. Este relatório, construído a partir dos dados do PISA 2000, 2009 e 2015, procura perceber o que se passa ao nível internacional em matéria de liberdade de escolha de escola e equidade nos sistemas educativos nacionais. Os títulos da notícia nos jornais era “Temos das escolas privadas mais elitistas da OCDE” ou “Portugal entre países da OCDE que têm mais escolas privadas só com filhos de pessoas ricas”. Vale a pena pensar um pouco sobre isto porque (i) é verdade, (ii) o fenómeno está a aumentar, (iii) ninguém ganha com isto e todos perdem.
O sumário executivo do relatório da OCDE coloca a questão de modo muito claro:
“(…) uma preocupação com o aumento da liberdade de escolha da escola é o seu impacto na segregação de estudantes com base no seu nível académico ou estatuto socioeconómico. Os resultados empíricos apresentados neste relatório sugerem que a diminuição da ligação da escola frequentada à área de residência do aluno tem relação com maior segregação escolar com base no estatuto social. Alguns alunos resilientes de meio desfavorecido podem ter acesso a escolas que de outro modo lhes seriam inacessíveis se a política de frequência da escola da residência fosse imposta de modo rígido. Mas isso, só por si, não ultrapassa os efeitos de selecção social que resultam do facto de serem as famílias de classe média ou elevada que aproveitam as vantagens da liberdade de escolha da escola. Ao nível agregado, isto pode ter um impacto negativo na equidade e, em alguns casos, até nos resultados académicos gerais do sistema educativo se os alunos com resultados mais fracos forem mais prejudicados quando frequentam escolas com uma grande concentração de alunos com resultados mais fracos do que os alunos com resultados mais fortes são beneficiados por frequentarem escolas com uma grande concentração de alunos com resultados mais fortes. Estimativas neste relatório mostram que um aumento do isolamento dos alunos com melhores resultados escolares está associado a resultados mais baixos no PISA dos alunos de contexto socioeconómico mais baixo, sem um impacto significativo nos alunos mais favorecidos. Como podem os sistemas educativos combinar flexibilidade suficiente para ir ao encontro das aspirações de muitos pais e criar incentivos suficientes para as escolas melhorarem os resultados de todos os estudantes sem diminuir a equidade na educação? Não há uma solução única para este dilema (…).”
Em primeiro lugar, é verdade que Portugal está entre os países da OCDE que têm mais escolas privadas só com filhos de pessoas ricas. Apesar de Portugal ser um país pobre quando comparado com os seus parceiros europeus, é o país da EU onde mais alunos frequentam escolas privadas pagando as respectivas mensalidades no ensino obrigatório (“quem quer privado paga!”). Mais de 13% dos alunos em Portugal estão nesta situação. Em Chipre são 12,5% e nenhum outro país da europa tem mais de 8%. Quer isto dizer que os pais portugueses querem tanto os seus filhos no ensino privado que pagam em vez de usar a alternativa gratuita existente.
Ao contrário do que muitos pensam, não é verdade que a crise financeira tenha levado os pais a tirar os filhos do ensino privado.
Em segundo lugar, este fenómeno está a aumentar. Ao contrário do que muitos pensam, não é verdade que a crise financeira tenha levado os pais a tirar os filhos do ensino privado. Alguns pais sim, foram forçados a tal. Mas muitos outros aproveitaram as vagas deixadas e ocuparam-nas. E muitas famílias entenderam que, apesar da crise (ou por causa dela), a educação dos filhos é um bem de primeira necessidade e fizeram um esforço acrescido para os manter/trazer para o ensino privado. Em 2006, 11,2% dos alunos em Portugal estavam no ensino privado. Em 2016, esta percentagem era de 13,2%. Temos assim em Portugal um grande sector do ensino onde só estão as famílias que conseguem juntar dinheiro suficiente para pagar. E este sector está em crescimento.
Em terceiro lugar, ninguém ganha com isto e todos perdem. Ter quase exclusivamente alunos de classe média ou alta não é um objectivo para nenhuma organização educativa. A homogeneidade social dos alunos pode facilitar a instrução mas torna difícil a educação. Nenhum educador que eu conheça considera positivo uma criança e jovem viver e ser educado numa bolha social. Uma bolha é uma gaiola. E uma gaiola dourada é tão castradora de um desenvolvimento equilibrado da personalidade como uma gaiola de arame. Se os ricos não ganham por crescer em ambientes educativos selectivos, os pobres também não ganham por viver em ambientes educativos depauperados.
Temos assim um problema. Um problema que temos de enfrentar de frente, se queremos construir um Portugal melhor.
Temos assim um problema. Um problema que temos de enfrentar de frente, se queremos construir um Portugal melhor. Como refere o relatório da OCDE, não há soluções fáceis. Mas há caminhos. O importante é que esses caminhos sejam desenvolvidos tendo em conta alguns princípios de justiça social. A OCDE aponta dois desses princípios: (i) criar mecanismos de regulação que impeçam que a escolha da escola provoque maior segregação social que a existente e (ii) garantir que todos os pais podem exercer a sua escolha em condições de igualdade.
Não é possível fazer desaparecer o problema fechando por decreto todo o ensino privado em Portugal ou impor “quotas” ao número de alunos. Seria uma rutura constitucional e do direito International brutal e, até mais relevante na prática, há entre os quadros e militantes do BE, PCP e PS demasiados pais cujos filhos estão no privado.
Mas é possível, tal como acontece em muitos países da Europa (incluindo a Finlândia!), encontrar um modo equilibrado de dar aos pais de meio socioeconómico desfavorecido o poder de escolher uma escola privada para os seus filhos se assim o quiserem.
Acabar com o contrato de associação e o processo em curso de acabar com os contratos simples e de desenvolvimento não são ataques ao privado. São ataques aos portugueses mais frágeis. Não sou eu que o digo; é a realidade.
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.